Como provar a pertinácia em quem nada diz de oposto à fé? A pertinácia não exige uma obstinação que só se pode manifestar por palavras?
Também a esta objeção devemos responder que tanto palavras como atos são aptos a caracterizar inequivocamente um espírito pertinaz. Assim como a benevolência, a cordura, o entusiasmo, o ódio, o orgulho podem se estampar numa fisionomia e podem se exprimir num gesto ou numa sucessão de gestos, assim também o pode a pertinácia.
Ademais, é preciso notar que a palavra “pertinácia” tem, na definição de heresia, um sentido diverso do corrente. No uso comum, abonado por qualquer dicionário, “pertinaz” significa muito tenaz, obstinado, teimoso, persistente, que dura muito tempo, perseverante. Também em latim é esse o sentido da palavra.
Se a pertinácia assim entendida fosse essencial ao pecado de heresia, este só existiria em casos de malícia requintada, quiçá freqüente, mas difícil de ser comprovada; ele só poderia ser determinado depois de longo tempo de observação; e nunca seria cometido num movimento de fraqueza, por exemplo, de cólera.
Ora, os moralistas e canonistas são unânimes em afirmar que o Código de Direito Canônico (cân. 1325, §2) não emprega a palavra nesse sentido. Como ensina TANQUEREY, pertinaz é aquele que nega ou põe em dúvida uma verdade de fé “scienter et volenter”, isto é, com plena ciência de que aquela verdade é um dogma, e com plena adesão da vontade. “Para que haja pertinácia – acrescenta – não é necessário que a pessoa seja admoestada várias vezes e persevere por muito tempo na sua obstinação, mas basta que ciente e voluntariamente [sciens et volens] negue o assentimento a uma verdade proposta de modo suficiente, quer o faça por soberba, quer pelo gosto de contradizer, quer por outra causa” (TANQUEREY, “Syn. Th. Mor. et Past.”, p. 473). Basta que o negue “brevi mora”, isto é, num instante, num tempo muito breve (TANQUEREY, “Brevior Syn. Th. Mor.”, p. 95), pois a pertinácia, no caso, “não significa duração no tempo, mas perversidade da razão” (ZALBA, p. 28). E pode haver pertinácia num pecado de heresia cometido por simples fraqueza (cf. CAIETANO, in II II, 11, 2).
Sobre o sentido canônico de “pertinácia”, na definição de heresia, ver também: SÃO TOMÁS, “Summa Theol.”, II II, 11, 2, 3; “Super Ep. ad Titum Lect.”, n. 102; WERNZ-VIDAL, pp. 449-450; MERKELBACH, p. 569; PRÜMMER, p. 364; NOLDIN, vol. II, p. 25; DAVIS, p. 292; PEINADOR, p. 99; REGATILLO, p. 142; JOURNET, p. 709.
(Excerto de “Atos, Gestos, Atitudes e Omissões podem Caracterizar o Herege”, Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira, em Catolicismo, n.º 204, dezembro de 1967)
Fonte:http://diario-de-um-catolico.blogspot.com.br/
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