I DE JULHO.
Festa do preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Redemisti
nos Deo in sanguine tuo… et fecisti nos Deo nostro regnum—«Remiste-nos
para Deus com o teu sangue… e fizeste-nos para nosso Deus reino» (Apoc. 5, 9).
Sumário. O Senhor
podia obter-nos a salvação sem sofrer; pois que uma só lagrima, uma só
oração teria sido bastante para salvar uma infinidade de mundos. A fim
de nos patentear, porém, o seu amor, quis derramar o seu Sangue até à
ultima gota, no meio das mais atrozes dores. Como é que os homens
respondem a um tão grande amor?… Mostremo-nos ao menos nós gratos para
com esse Coração amabilíssimo, e para reparar as ofensas que lhe
tenhamos feito habituemo-nos a oferecer muitas vezes ao Eterno Pai este
preço da nossa Redenção.
I.
Considera o imenso amor que o Filho de Deus nos mostrou, remindo-nos ao
preço de seu divino Sangue. Podia salvar-nos sem sofrer; pois que uma
só lagrima, um só suspiro, até uma só oração, sendo de valor infinito,
teria sido o suficiente para salvar o mundo e até mil mundos. Mas o que
bastava para a Redenção, diz São João Crisóstomo, não bastava para
patentear o amor que Deus nos tinha; tanto mais que ele quis fazer-se
ao mesmo tempo o nosso guia e o nosso mestre: Remiste-nos para Deus com o teu sangue.
Para
nos ensinar pelo seu exemplo a obediência às ordens do Pai, também a
custo de sacrifícios, Jesus começou a derramar o seu precioso sangue,
quando tinha oito dias apenas, sob o cutelo da circuncisão.—Além
disso, para nos ensinar a domarmos as nossas paixões rebeldes, e ao
mesmo tempo a nos conformarmos em tudo com a vontade divina, mesmo com
sacrifício da vida, continuou a derramá-lo no horto das oliveiras, numa agonia mortal e com tamanha abundância que corria sobre a terra: Factus
est sudor eius sicut guttai sanguinis decurrentis in terram —
«Veio-lhe um suor, como de gotas de sangue que corria sobre a terra».—Para
reparar a delicadeza com que tratamos o nosso corpo, e mais ainda as
nossas satisfações indignas, os nossos pensamentos de soberba e luxúria,
Jesus Cristo quis derramar seu sangue no pretório de Pilatos sob os
golpes de uma cruel flagelação e de uma bárbara coroação de espinhos.
Finalmente, depois de haver tinto com o seu sangue o caminho do
Calvário, para nos ensinar que o caminho do céu é o dos sofrimentos;
depois de o haver derramado ainda copiosissimamente pelas mãos e pés,
deixando-se crucificar a
fim de reparar o abuso da nossa liberdade; vendo por um lado que o
coração humano é a raiz viciada de todos os males, e por outro, que no
seu coração restavam ainda poucas gotas de seu precioso sangue, quis
derrama-las também, permitindo que o seu lado sacrossanto fosse aberto
por uma lançada: Unus militum lancea tatus eius aperuit — «Um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança».
Ainda
não satisfeito com, tudo isso, quis o Senhor, mesmo depois da sua morte
e até à consumação dos séculos, preparar-nos com o seu Sangue um banho
para as nossas almas no sacramento da Penitência, e no da Eucaristia
dar-no-lo como bebida para refazer as nossas forças. — Ó invenções
admiráveis do amor de um Deus para com os homens! Mas de que modo
respondemos nós a tão grande amor?
II.
Para mostrares a tua gratidão para com Jesus, e também para
desagravá-lo de tantas ofensas que recebe, nutre uma devoção particular
pelo seu precioso Sangue. Quando meditares na Paixão do Senhor, chega-te
em espírito a ele e pede-lhe que te tinja com o seu Sangue divino. No
tribunal da penitência, imagina ver na pessoa do Confessor a pessoa
mesma do Redentor, que, dando-te a absolvição, derrama esse sangue sobre
a tua alma, e na recepção da comunhão ou na celebração da missa,
afigura-te que chegas teus lábios ao lado sagrado de Jesus. Habitua-te
sobretudo a oferecer frequentes vezes ao Padre Eterno o Sangue
preciosíssimo de Jesus Cristo, em desconto de teus pecados, pelas
necessidades da santa Igreja, pela conversão dos pecadores e em sufrágio
das almas do purgatório.
+
Ó Sangue preciosíssimo de vida eterna, preço e resgate do mundo
inteiro, bebida e banho salutar das nossas almas, que continuamente
defendeis a causa dos homens, junto do trono da suprema misericórdia, eu
vos adoro profundamente e quereria, quanto me é possível, compensar-vos
das injurias e dos ultrajes que recebeis constantemente dos homens e
principalmente daqueles que levam a audácia até de proferir blasfêmias
contra vós. E quem não bendirá este Sangue de um valor infinito? Quem se
não sentirá inflamar de amor por Jesus que o derramou? Que seria de
mim, se não fosse resgatado por este Sangue divino? Quem o tirou das
veias do meu Senhor até à ultima gota? Ah, que foi sem duvida o amor. Ó
amor imenso, que nos destes um bálsamo tão salutar! Ó bálsamo
inestimável, brotado da fonte de um amor infinito, fazei que todos os
corações e todas as línguas vos louvem, glorifiquem e agradeçam agora e
sempre e por toda a eternidade.
«E
Vós, ó Padre Eterno, que estabelecestes o vosso Filho Unigênito como
Redentor do mundo, e quisestes ser aplacado pelo seu sangue,
concedei-nos propicio que, durante a minha vida terrestre, eu venere
solenemente este preço da nossa salvação, e seja por ele livrado de todo
o mal da vida presente, de tal modo que eu mereça gozar no céu o seu
fruto perpetuo.» 2 Fazei-o pelo amor do mesmo Jesus Cristo e de Maria Santíssima.
.
______
Fonte: Meditações para Todos os Dias do Ano, de Santo Afonso Maria de Ligório, Tomo II, p. 351.
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