terça-feira, 25 de novembro de 2014

A questão do calendário litúrgico


Resposta às exigências abusivas de alguns bispos
Publicamos extratos de uma entrevista de um reconhecido liturgista que responde às exigências de certos bispos que querem impor para os fiéis tradicionais o calendário novo e as leituras da missa nova, como condição para legalizar a celebração da missa tradicional. Se bem às vezes a formulação das respostas não nos pode satisfazer completamente, ele aporta elementos interessantes para o debate.
O que são o “calendário tradicional” e o “calendário novo”?
O calendário chamado “tradicional” é aquele que está associado com o missal chamado “de Pio V” ou “tridentino” cuja última edição típica data de 1962, razão pela qual alguns chamam-no de “liturgia de 1962″.
O novo calendário é aquele que foi promulgado no ano 1970 pelo Papa Paulo VI, junto com o missal que instaurava a missa nova.
Por quê pode-se ficar apegado ao calendário tradicional?
Por múltiplas razões, das quais não retenho aqui mais do que as duas principais:
A primeira é porque este calendário mesmo está em perfeita simbiose com o livro litúrgico tradicional.
A segunda é uma evidencia que foi constatada por muitos fiéis desde o ano 1970: o calendário tradicional é muito mais rico do que o novo calendário. Notemos por exemplo o muito mais reduzido número de festas de santos (aproximadamente 177 para o missal de 1970, contra aproximadamente 277 para o de 1962), que foi muito criticado com ocasião da publicação do novo calendário. Certamente várias festas que não se acham mais no calendário romano geral de 1970 não foram, portanto, suprimidas. Elas, na maior parte, foram transferidas nos calendários nacionais, diocesanos, ou naqueles das ordens religiosas, mas não fica menos certo por isso que nós conhecemos com essa reforma um grande empobrecimento do calendário em geral. Sem entrar em detalhes demasiado técnicos é preciso saber que o grande debate em torno ao calendário tinha sido posto em obra… e resolvido pelo Papa São Pio X no começo do século XX. O temor na época era de ver aos poucos o santoral (a comemoração dos santos) prevalecer sobre o temporal (sobre o ritmo do ano litúrgico). Ora, ao limpar desde aquela época o calendário e ao dar a prioridade litúrgica aos domingos, o temor principal dos liturgistas dissipou-se e já não era necessário modificar mais uma vez o calendário. […]
Mas fala-se freqüentemente do novo leccionário como sendo mais rico que o antigo?
É verdade, o novo leccionário é fornecido com as três leituras e o seu ciclo trienal… Mas não estamos mais nos tempos antigos, nos quais os fiéis não tinham acesso a tais tesouros. […] Por outra parte, o que vale esta profusão de textos quando os estudos oficiais nos indicam que a maior parte dos “praticantes” não assistem à Missa mais que uma vez por mês? Sem falar que os textos do antigo Testamento são muitas vezes complexos e precisam de uma explicação detalhada para ser bem recebidos. Outro ponto que temos que destacar é que respeito ao antigo leccionário, este guarda um estreito laço com aqueles que o têm utilizado desde vários séculos, pensemos nos sermões de São Bernardo, nos de Santo Antônio de Pádua, que são os textos do leccionário tradicional comentados. Então como podemos nos cortar de uma semelhante riqueza?
Acrescentaria ainda que temos de estimar muito as virtudes pedagógicas da repetição. É certo que o antigo leccionário repete os mesmos textos todos os anos, mas se todos os fiéis assimilassem perfeitamente esse núcleo de textos da palavra do Senhor, já seria uma coisa extraordinária. Como o escreveu muitas vezes o Papa Bento XVI nos seus livros antes da sua eleição, foram alguns peritos que fizeram a reforma litúrgica… mas será que eles tinham verdadeiramente um sentido pastoral afinado? A questão merece ao menos ser examinada. […]
Que pensais da idéia de alguns que afirmam que seria preciso aplicar à celebração da Missa de São Pio V o calendário litúrgico do missal de Paulo VI?
Penso que é preciso perguntar-se sinceramente e como cristãos qual é a verdadeira intenção que se esconde atrás dessa proposição. Acho, de fato, que ela é ao menos bastante provocadora e geradora de discórdias. Em primeiro lugar, discórdia àqueles a quem o Santo Padre propõe a paz, já que muitos deles não o aceitarão, o qual permitirá os oponentes afirmarem que de todas as formas os tradicionalistas nunca estão contentes. Discórdia também da parte dos fiéis da tendência da Fraternidade São Pio X que verão nisso uma má fé dos bispos e um novo obstáculo à indispensável reconciliação.[…] Acrescentemos a isto que tal proposição não tem estado jamais na intenção do legislador. A carta Quattuor ab hinc annos, do 3 de outubro de 1984, sobre a qual se apóia depois o Motu Próprio Ecclesia Dei de 1988, diz muito precisamente: “que não haja nenhuma mistura entre os ritos e os textos de um e outro missal.” Parece-me, pois, impensável propor, ou pior, impor, às celebrações em rito tridentino seguir o novo calendário.
Mas se diz que o Papa Bento XVI, na época que era ainda o Cardeal Ratzinger, falou nesse sentido com ocasião do encontro litúrgico de Fontgombault em julho de 2001?
Permita-me vos dizer que afirmar isso seria uma falsificação vergonhosa das palavras do Santo Padre! É só ler de novo as atas deste colóquio para constatar, primeiro, que o antigo missal é um “ponto de referência”, “um bem da Igreja”, um “tesouro da Igreja” (págs. 178 das atas) e insiste claramente sobre o fato que, falando em reforma, se refere naturalmente em retocar o missal reformado, mas não o missal precedente (de São Pio V, pág. 179), sem excluir que no futuro este missal possa naturalmente evoluir. No tocante ao calendário, ele diz (pág.s 182-183) “deve-se ser muito prudentes com eventuais mudanças”, “por minha parte não faria nada nesse sentido, está claro. Mas no futuro, dever-se-ia pensar, me parece, em enriquecer o missal de 1962 e introduzir novos santos”, “abrir o calendário do antigo missal aos novos santos, fazendo uma escolha bem meditada, isto parece-me uma coisa importante, que não destruiria nada da estrutura da liturgia”. Eis aqui o pensamento do Santo Padre e não outra coisa. Ele não falou de nenhuma maneira na utilização do novo calendário para o antigo missal.
O fato de ter vários calendários não seria um problema para a Unidade?
Devemos nos guardar de juízos demasiados maniqueus. […] Devemos olhar a realidade de frente: as dioceses, os países, as ordens religiosas, têm todos um calendário diferente. Alguns têm as suas festas próprias, outros dão às suas festas um grau diferente de solenidade. Esta idéia de um calendário uniforme e universalmente imposto não faz nenhum sentido, pois não corresponde à realidade da vida da Igreja que é rica de tradições muito antigas que não deveriam ser tocadas senão com o maior respeito. Deve-se pedir aos franciscanos ou aos dominicanos de abandonar as suas festas? Deve-se acusá-los de quebrar a unidade? Parece-me pouco sério. Aliás, é uma idéia muito recente e bastante revolucionária considerar que dá para modificar segundo uns esquemas intelectuais esses tesouros de tradições diversas que a Igreja nos transmite e que deveríamos conservar como a pupila dos olhos. Existe aqui um intelectualismo desvirtuado que não corresponde ao que o Santo Padre atual reconhece como o espírito da liturgia, e que poderia se transformar em um tipo de ideologia contrário ao pensamento da Igreja.
La Paix Liturgique

Fonte:
http://www.fsspx.com.br/

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