sexta-feira, 10 de abril de 2015

A SANTA LITURGIA – RELATOS DO VATICANO II


Todos nós,  que  recebemos  a  formação  eclesiástica nos Seminários,  regidos  pelas  normas  ditadas  pelo  Concílio  Tridentino,  ou  fomos  para  Roma  a  fim  de  frequentar  as  faculdades de  Filosofia  e  de  Teologia  na  Pontifícia  Universidade Gregoriana,  ao sermos  ordenados  sacerdotes,  tínhamos nas  mãos  o  Ritual  Romano,  que  prescrevia  não  só  a  forma de  benzer  uma  simples  imagem  como  a  de  administrar  os sacramentos.
Encontrávamos igualmente  o  Missal  Romano,  aprova­do  por  São  Pio  V,  nas igrejas  e  capelas nas  quais  celebrávamos,  fazendo  com  que a Missa aqui  no  Brasil,  em  nada deferisse  da  celebrada  lá  no  fundo  da  África  ou  da  Oceania.
Os fiéis viam  nessa  uniformidade  uma das  notas  características  da  verdadeira  Igreja  fundada  por  Cristo: a  unidade.
De acordo com  as  preferências  de  poderosa  Aliança Europeia,  o  esquema  que,  em  primeiro  lugar,  deveria  ser  examinado  na  aula  do  Concílio,  seria  o  da  Liturgia.
O Boletim  do  Escritório  de  Imprensa  do  Concílio  anunciava  que,  em  22  de  outubro  de  1962:  “Houve  vinte  intervenções,  todas  elas  objetivando  o  conjunto  do  esquema  da liturgia;  certos  oradores  defenderam-no  e  outros  o  ataca­ram”.
O bispo  de  Linz  (Austria),  membro  da  Aliança  Europeia,  não  só  aprovava  o  conjunto  do  esquema,  como procurou  atrair  a  atenção  de  seus  pares  para  onze  passagens  do esquema .
Uma dessas  passagens  dizia  respeito  à  língua  litúrgica. Propwlha  ele  que  fosse  restabelecida  a  exposição  do  texto original ,  mediante  o  qual  as  Conferências  Episcopais  eram autorizadas  a  “fixar  as  condições  e  determinar  as  modali­dades  segundo  as  quais  a  língua  vernácula  pudesse ser  utilizada,  suposta  a  aprovação  da  Santa  Sé”.
Opunha-se também que a  recitação  do  Ofício  Divino  continuasse  a  ser  feita  em  latim,  segundo  a  tradição  multissecular  da  Igreja  do  Ocidente. “Os  futuros  padres  fazem  hoje  seus  estudos  em  colégios  ou  liceus  públicos,  nos  quais  o  ensino  do  latim  é  insuficiente  ou  não  existe;  se,  portanto,  devessem  recitar  em latim  o  Ofício  Divino,  nenhum  proveito  espiritual  dele  retirariam.”
As razões  apresentadas  por  ele  contra  a  recitação  do Breviário  em  latim,  provam  à  sociedade  até  que  ponto  chegou.  Hoje  em  dia, a  diminuta  ou  nenhuma  formação  eclesiástica  dos  futuros  ministros  de  Deus.
Esses candidatos ao  sacerdócio  passam o dia  preocupados  com  os  empregos  que  conseguiram  e,  só à  noite,  é  que vão  frequentar  uma  faculdade,  na  qual  nem  a  Escolástica  e, muito  menos,  a  Suma  Teológica  de  Santo  Tomás  de  Aquino  constituem  objeto  de  estudo .  Nada há,  pois,  a  admirar que  sem  o  suporte  desses  estudos  básicos,  extasiem-se  diante  das  teorias  de  Hegel  ou  de  Marx,  sendo  facilmente  induzidos  a  confundir  “Igreja  dos  pobres”  com  ideologias políticas  ou  sócio-econômicas.
Ao lhes  ser  confiada  a  direção  de  uma  paróquia  ou de encontro  de  casais  ou de  jovens,  apresentam-se  completa­mente  secularizados,  sem  nenhuma  característica  que  os identifique  como  sendo  padres.
Ainda há  bem pouco  tempo,  o Santo  Padre  João  Paulo li,  dirigindo-se  aos  missionários  cambodgianos,  recomenda­va-lhes  que  “fossem  padres  por  dentro  e  por  fora,  também com  as  vestes  eclesiásticas  para  não  cederem  à  tentação de  nivelar-se  com  o  mundo,  mesmo  a  pretexto  de  conhecê­lo  melhor,  mas,  na  realidade  com  o perigo de  ficarem  presos  em  suas  redes”.  É a  reafirmação  de  São  Paulo  (  1  Cor 4,  1-2)  que  os  homens  nos  reconheçam  como  ministros  de Cristo  e a  dispensadores  dos  mistérios  de  Cristo.
E esse  perigo  é  tanto  maior  quanto se  sabe que  não aprenderam,  continua  o  Papa,  a  dar  “o primado  à  vida interior,  à  oração,  à  meditação,  ao  espírito  de  pobreza  e  de sacrifício”.
O Cardeal  Montini  – que  mais  tarde  subiria  ao  Sumo Pontificado  sob  o  nome  de  Paulo  VI  – declara  nada  ver no  esquema  que  pudesse  ser  obstáculo  ao  culto  divino  e  católico,  herdado do  passado.  Com respeito à  língua  litúrgica,  propunha que as línguas tradicionais “tais  como  o latim,  deveriam  ser  mantidas  nas  partes  dos  ritos  sacramentais  e,  no  verdadeiro sentido  da  palavra,  sacerdotais”.
Uma  outra  intervenção  foi  feita,  mas,  desta  vez,  em francês,  pelo  patriarca  melquita,  sua  Beatitude  Máximo  IV.
Discorrendo  sobre  o  uso  da  língua  litúrgica,  fez ver  que Cristo  falou  o  idioma  de seus  contemporâneos  e  que  o  primeiro  sacrifício  fora  realizado  na  língua  que  todos  falavam: o  aramaico,  e  que  a  própria  Igreja  Romana,  pelo  menos  até a  metade do  século terceiro,  usara  o  grego  em sua  liturgia e o  grego  só  foi  abandonado,  quando  o  latim  tomou-se  a língua  dos  fiéis.
Outros bispos  propunham  que  fossem  suprimidas  as orações  prescritas  por  Leão XIII, ao pé  do  altar  e  que  a Missa terminasse  com  a bênção e o Ite missa est.  Propunham,  outrossim,  que  o  púlpito ou  uma  estante  fosse  utilizada  para  a  celebração  da  Palavra  e o  altar  reservado  unicamente  para  a  celebração  do  Sacrifício  e,  que,  na  distribuição  da  comunhão,  fossem  pronunciadas  apenas  as  palavras  Corpus Christi.
O bispo titular  de  Abida,  Dom  Duschak,  alemão  de  origem,  insistiu  que,  pelo  menos em  terra  de  missão,  fosse adotada,  ao  lado  da  forma  atual  da  Missa  de  rito  lati no, uma outra,  por ele  chamada  de Ecumênica,  estritamente  ba­seada  na  última  Ceia,  despojada  de  todas  as  superestru­turas  históricas.
“Em  30  de  outubro,  dia  seguinte  ao  seu  septuagésimo segundo aniversário – refere  o  Pe.  Ralph  Wiltgen – o Cardeal Ottaviani interveio para protestar  contra  as  modificações  radicais que desejavam  submeter  a  Missa”.  “Estamos querendo suscitar o  espanto,  até  mesmo  o  escândalo,  no povo  cristão,  introduzindo  modificações  num  rito  tão  venerável,  que  foi apreciado  durante  séculos  e  que  é  hoje  tão familiar?  Não  convém  tratar  o  rito  da  Missa  como  se  fosse um  pedaço  de  tecido  que  a  fantasia  corta  de  acordo  com a moda”.
O Cardeal  Ottaviani  ainda  empunhava  o  microfone quando  foi  vítima  de  uma  dolorosa  humilhação,  por  mim presenciada  e  assim  descrita  pelo  Pe. Ralph  Wiltgen:
“Falando  sem  texto,  em  razão  de  sua  cegueira  parcial,  ultrapas­sou  os  dez  minutos,  concedidos  a  cada  orador. O  Cardeal Tisserant,  deão  dos  presidentes  do  Concílio,  mostrou  o  relógio  ao  Cardeal  Alfrink,  que  presidia  a  sessão.  Quando  o Cardeal  Ottaviani  já  havia  falado  durante  15  minutos,  o Cardeal  Alfrink  fez  soar  a  campainha.  Mas, o orador estava  tão  empolgado  com  o tema  que  vinha  desenvolvendo, que  não  ouviu  ou  deliberadamente  não  lhe  ligou  importância.  A um  sinal  do  Cardeal  Alfrink  um  eletricista  desligou o  microfone.  O  Cardeal  só  verificou  que  lhe  haviam  emudecido  o  microfone,  quando  arranhando-o  convenceu-se  que lhe  haviam  cortado  a  palavra,  resignado,  voltou  para  seu lugar.  O  mais  poderoso  Cardeal  da  Cúria  havia  sido  reduzido  ao  silêncio,  debaixo  de  uma  sonora  gargalhada  e  de vibrantes  aplausos  ao  gesto  do  Cardeal  Alfrink”.
Abusos e Erros  sobre  a  Fe à  Sombra  do  Vaticano  II - Mons.  Francisco  Bastos

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