Todos nós, que recebemos a formação eclesiástica nos Seminários, regidos pelas normas ditadas pelo Concílio Tridentino, ou fomos para Roma a fim de frequentar as faculdades de Filosofia e de Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, ao sermos ordenados sacerdotes, tínhamos nas mãos o Ritual Romano, que prescrevia não só a forma de benzer uma simples imagem como a de administrar os sacramentos.
Encontrávamos igualmente o Missal Romano, aprovado por São Pio V, nas igrejas e capelas nas quais celebrávamos, fazendo com que a Missa aqui no Brasil, em nada deferisse da celebrada lá no fundo da África ou da Oceania.
Os fiéis viam nessa uniformidade uma das notas características da verdadeira Igreja fundada por Cristo: a unidade.
De acordo com as preferências de poderosa Aliança Europeia, o esquema que, em primeiro lugar, deveria ser examinado na aula do Concílio, seria o da Liturgia.
O Boletim do Escritório de Imprensa do Concílio anunciava que, em 22 de outubro de 1962: “Houve vinte intervenções, todas elas objetivando o conjunto do esquema da liturgia; certos oradores defenderam-no e outros o atacaram”.
O bispo de Linz (Austria), membro da Aliança Europeia, não só aprovava o conjunto do esquema, como procurou atrair a atenção de seus pares para onze passagens do esquema .
Uma dessas passagens dizia respeito à língua litúrgica. Propwlha ele que fosse restabelecida a exposição do texto original , mediante o qual as Conferências Episcopais eram autorizadas a “fixar as condições e determinar as modalidades segundo as quais a língua vernácula pudesse ser utilizada, suposta a aprovação da Santa Sé”.
As razões apresentadas por ele contra a recitação do Breviário em latim, provam à sociedade até que ponto chegou. Hoje em dia, a diminuta ou nenhuma formação eclesiástica dos futuros ministros de Deus.
Esses candidatos ao sacerdócio passam o dia preocupados com os empregos que conseguiram e, só à noite, é que vão frequentar uma faculdade, na qual nem a Escolástica e, muito menos, a Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino constituem objeto de estudo . Nada há, pois, a admirar que sem o suporte desses estudos básicos, extasiem-se diante das teorias de Hegel ou de Marx, sendo facilmente induzidos a confundir “Igreja dos pobres” com ideologias políticas ou sócio-econômicas.
Ao lhes ser confiada a direção de uma paróquia ou de encontro de casais ou de jovens, apresentam-se completamente secularizados, sem nenhuma característica que os identifique como sendo padres.
Ainda há bem pouco tempo, o Santo Padre João Paulo li, dirigindo-se aos missionários cambodgianos, recomendava-lhes que “fossem padres por dentro e por fora, também com as vestes eclesiásticas para não cederem à tentação de nivelar-se com o mundo, mesmo a pretexto de conhecêlo melhor, mas, na realidade com o perigo de ficarem presos em suas redes”. É a reafirmação de São Paulo ( 1 Cor 4, 1-2) que os homens nos reconheçam como ministros de Cristo e a dispensadores dos mistérios de Cristo.
E esse perigo é tanto maior quanto se sabe que não aprenderam, continua o Papa, a dar “o primado à vida interior, à oração, à meditação, ao espírito de pobreza e de sacrifício”.
O Cardeal Montini – que mais tarde subiria ao Sumo Pontificado sob o nome de Paulo VI – declara nada ver no esquema que pudesse ser obstáculo ao culto divino e católico, herdado do passado. Com respeito à língua litúrgica, propunha que as línguas tradicionais “tais como o latim, deveriam ser mantidas nas partes dos ritos sacramentais e, no verdadeiro sentido da palavra, sacerdotais”.
Uma outra intervenção foi feita, mas, desta vez, em francês, pelo patriarca melquita, sua Beatitude Máximo IV.
Discorrendo sobre o uso da língua litúrgica, fez ver que Cristo falou o idioma de seus contemporâneos e que o primeiro sacrifício fora realizado na língua que todos falavam: o aramaico, e que a própria Igreja Romana, pelo menos até a metade do século terceiro, usara o grego em sua liturgia e o grego só foi abandonado, quando o latim tomou-se a língua dos fiéis.
Outros bispos propunham que fossem suprimidas as orações prescritas por Leão XIII, ao pé do altar e que a Missa terminasse com a bênção e o Ite missa est. Propunham, outrossim, que o púlpito ou uma estante fosse utilizada para a celebração da Palavra e o altar reservado unicamente para a celebração do Sacrifício e, que, na distribuição da comunhão, fossem pronunciadas apenas as palavras Corpus Christi.
O bispo titular de Abida, Dom Duschak, alemão de origem, insistiu que, pelo menos em terra de missão, fosse adotada, ao lado da forma atual da Missa de rito lati no, uma outra, por ele chamada de Ecumênica, estritamente baseada na última Ceia, despojada de todas as superestruturas históricas.
“Em 30 de outubro, dia seguinte ao seu septuagésimo segundo aniversário – refere o Pe. Ralph Wiltgen – o Cardeal Ottaviani interveio para protestar contra as modificações radicais que desejavam submeter a Missa”. “Estamos querendo suscitar o espanto, até mesmo o escândalo, no povo cristão, introduzindo modificações num rito tão venerável, que foi apreciado durante séculos e que é hoje tão familiar? Não convém tratar o rito da Missa como se fosse um pedaço de tecido que a fantasia corta de acordo com a moda”.
O Cardeal Ottaviani ainda empunhava o microfone quando foi vítima de uma dolorosa humilhação, por mim presenciada e assim descrita pelo Pe. Ralph Wiltgen:
“Falando sem texto, em razão de sua cegueira parcial, ultrapassou os dez minutos, concedidos a cada orador. O Cardeal Tisserant, deão dos presidentes do Concílio, mostrou o relógio ao Cardeal Alfrink, que presidia a sessão. Quando o Cardeal Ottaviani já havia falado durante 15 minutos, o Cardeal Alfrink fez soar a campainha. Mas, o orador estava tão empolgado com o tema que vinha desenvolvendo, que não ouviu ou deliberadamente não lhe ligou importância. A um sinal do Cardeal Alfrink um eletricista desligou o microfone. O Cardeal só verificou que lhe haviam emudecido o microfone, quando arranhando-o convenceu-se que lhe haviam cortado a palavra, resignado, voltou para seu lugar. O mais poderoso Cardeal da Cúria havia sido reduzido ao silêncio, debaixo de uma sonora gargalhada e de vibrantes aplausos ao gesto do Cardeal Alfrink”.
Abusos e Erros sobre a Fe à Sombra do Vaticano II - Mons. Francisco Bastos
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