“O Concílio do Vaticano declara que a
pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Essa liberdade consiste
nisto: todos os homens devem estar subtraídos à coação por parte tanto
dos indivíduos quanto dos grupos sociais e de qualquer poder humano que
seja, de tal maneira que em matéria religiosa ninguém seja forçado a
agir contra a sua consciência nem impedido de agir segundo a sua
consciência, tanto em privado quanto em público, sozinho ou associado a
outros, dentro de justos limites.”
O Pe. Lucien sublinha que unicamente o direito tal como é definido
nesta passagem está presente como objeto direto do ensinamento conciliar
e como fundado na Revelação, e que portanto só ele é decisivo. É
verdade, com a condição de fazer a precisão de que um documento de tal
importância deve ser lido como um todo coerente (coisa que ele é), e
que, em particular, os desenvolvimentos e as consequências que são
tiradas dessa primeira afirmação vão permitir-nos precisar o sentido
dela, e determinar o significado da expressão “segundo a sua
consciência” que está em causa aqui. Isso é tanto mais necessário
quanto, no parágrafo 9.º da declaração, após essas consequências terem
sido enunciadas, é reafirmado que essa doutrina está enraizada na
Revelação.Ora, o documento inteiro mostra que o Vaticano II realmente entende não fazer o direito à liberdade religiosa depender de uma disposição subjetiva, do fato de que a própria consciência seja seguida ou não seja seguida, do fato de que a consciência seja errônea ou não o seja, do fato de que o erro da consciência seja moralmente imputável ou não.
É o que afirma o final do mesmo segundo parágrafo da declaração conciliar:
“Logo, não é numa disposição subjetiva da
pessoa, mas na sua própria natureza, que se funda o direito à liberdade
religiosa. Por isso, o direito a essa imunidade persiste inclusive
naqueles que não satisfazem à obrigação de procurar a verdade e de
aderir a ela…”
Eis um comentário autorizado dessa precisão, pois emanado do Cardeal
Béa, então presidente do Secretariado para a União dos Cristãos, que
estava encarregado da redação da Dignitatis Humanæ (Rivista del clero italiano, maio de 1966, La Documentation Catholique de 3 de julho de 1966, col. 1186):
“Noutros termos, igualmente o direito
daquele que erra de má-fé permanece completamente a salvo, com a
condição de respeitar a ordem pública, condição que vale para o
exercício de todo e qualquer direito, como se verá mais adiante. E o
documento conciliar lhe dá esta razão peremptória: este direito ‘não se
funda [...] numa disposição subjetiva da pessoa, mas na natureza dela’;
logo, não pode ser perdido em razão desta ou daquela condição subjetiva,
pois estas não mudam nem podem mudar a natureza do homem.”
Mais autorizada ainda é a interpretação que lhe dá João Paulo II, em
discurso ao quinto colóquio internacional de estudos jurídicos:
“Este direito é um direito humano e,
portanto, universal, pois não decorre da ação honesta das pessoas ou de
sua consciência reta, mas das pessoas mesmas, isto é, de seu íntimo ser,
o qual, nos seus componentes constitutivos, é essencialmente idêntico
em todas as pessoas. Trata-se de um direito que existe em cada pessoa e
que existe sempre, mesmo na hipótese de ele não ser exercido ou de ser
violado pelos sujeitos mesmos nos quais ele é inerente.” (10 de março de
1989. La documentation catholique n.º 1974, página 511)
Portanto, cumpre manter que a expressão “segundo a sua consciência”
que figura na afirmação do direito à liberdade religiosa tem o sentido
que lhe é dado geralmente no mundo contemporâneo: “segundo a sua decisão
íntima e pessoa, da qual não tem de prestar contas aos homens”,
independentemente de qual seja a qualificação moral dessa decisão. É
nesse sentido que se exprime o primeiro parágrafo da declaração:
“A dignidade da pessoa humana é, em nossos
tempos, objeto de uma consciência cada vez mais viva; cada vez mais
numerosos são aqueles que reivindicam para o homem a possibilidade de
agir em virtude de suas próprias opções (proprio suo consilio) e com responsabilidade inteiramente livre; não sob pressão de coação, mas guiado pela consciência de seu dever.”
Essa equivalência entre “segundo a sua consciência” e “segundo a sua
própria vontade” se reencontra ao longo do documento inteiro, que aliás é
incompreensível caso não se a admita. Com efeito, Dignitatis Humanæ
declara o direito à liberdade religiosa para os grupos e comunidades –
que, enquanto tais, não têm consciência – assim como para os indivíduos.
Isso é precisado no título e desenvolvido nos parágrafos 4.º e 5.º do
documento conciliar.Mas é, sobretudo, o sexto parágrafo que torna impossível de compreender “segundo a sua consciência” em sentido clássico e restritivo. Esse parágrafo enuncia, com efeito, a liberdade (civil) de apostatar:
“Segue-se que não é permitido ao poder
público, por força, intimidação ou outros meios, impor aos cidadãos a
profissão ou a rejeição da religião que for, nem impedir alguém de
ingressar numa comunidade religiosa ou de a abandonar.”
Ora, segundo a teologia católica mais certa, é impossível para um
católico abandonar “segundo a sua conciência” a Santa Igreja; assim
ensina o Concílio Vaticano I:
“A condição daqueles que aderiram à
verdade católica graças ao dom celeste da fé é completamente diferente
da condição dos que, conduzidos por opiniões humanas, seguem uma falsa
religião; aqueles que receberam a fé sob o Magistério da Igreja nunca
podem ter motivo justo de mudar ou de pôr em dúvida esta fé.” (20 de
abril de 1870. Denzinger n.º 1794)
Esse mesmo parágrafo 6.º da declaração opõe-se à prática secular da
Igreja que exige que uma discriminação social seja feita por motivo
puramente religioso, a saber: a isenção do serviço militar e dos
tribunais civis para os clérigos:
“O poder civil deve velar que a igualdade
jurídica dos cidadãos, a qual por sua vez pertence ao bem comum da
sociedade, jamais seja lesada, de maneira aberta ou larvada, por motivos
religiosos, e que, entre eles, nenhuma discriminação seja feita.”
O próprio Pe. Lucien mostra que faz uma leitura errônea da definição conciliar da liberdade religiosa, quando ele afirma:
“Corretamente entendida, a afirmação de Dignitatis Humanæ não põe em causa de forma essencial a prática da Igreja na Cristandade.”
Essa prática, que consistia em opor-se à liberdade religiosa dos
acatólicos, é porém explicitamente recusada pelo parágrafo 6.º da
declaração conciliar:
“Se, em razão de circunstâncias
particulares nas quais se encontrem os povos, um reconhecimento civil
especial é concedido na ordem jurídica de uma cidade a uma dada
comunidade religiosa, é necessário que simultaneamente o direito à
liberdade em matéria religiosa seja reconhecido e respeitado por todos
os cidadãos e todas as comunidades religiosas.”
Podemos, portanto, concluir disso que a afirmação do Vaticano II não é
“corretamente entendida” pelo Pe. Lucien. A expressão “segundo a sua
consciência” não é uma restrição da liberdade religiosa – a qual é “para
todos os cidadãos e todas as comunidades religiosas” (§ 6. 2). A
integralidade do desenvolvimento da doutrina sobre a liberdade religiosa
faz abstração da cláusula “segundo a sua consciência” e contradiz mesmo
o sentido tradicional dessa expressão. Após o quê, o Vaticano II
declara (§ 9):
“Esta doutrina da liberdade tem suas
raízes na Revelação divina, o que, para os cristãos, é um título a mais
para serem santamente fiéis a ela.”
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