quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Um papa como um herege “manifesto” ou “público”

PERGUNTA: Em 2004, a publicação canadense da SSPX “Communicantes” publicou
“Sedevacantismo”, uma longa crítica dessa posição feita por padre Dominique Boulet. Um dos
seus principais argumentos contra o sedevacantismo foi que, o que quer que você pense sobre os
papas pós-conciliares, eles não são realmente hereges “manifestos”, “públicos” ou “notórios”,
como o direito canônico entende esses termos.
Qual a sua resposta para isso? E como esses termos são definidos?


RESPOSTA: O principal princípio teológico por trás do sedevacantismo é encontrado nos tratados
de canonistas e teólogos pré-Vaticano II e pode ser resumido da seguinte forma: Se um papa como
pessoa privada abraça alguma heresia e depois a professa abertamente de alguma forma - os
teólogos usam vários termos para caracterizar essa heresia: “pública”, “notória”, “manifesta” ou
“divulgada abertamente” - ele se coloca fora da Igreja e automaticamente perde seu ofício.
O padre Boulet, como tantos outros controversos anti-sedevacantistas, comete dois erros: (1)
confunde o pecado da heresia com o crime de heresia, e (2) confunde termos genéricos aplicados à
heresia antes do Código de Direito Canônico de 1917 (manifesto, notório, público, etc.) com os
significados mais específicos que esses termos receberam após o Código de 1917.
I. HERESIA: CONFUNDINDO
“PECADO” COM “CRIME CANÔNICO”
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A principal falha no argumento de padre Boulet — e aquela
que percorre seu longo artigo do

começo ao fim — é que ele confunde completamente dois aspectos da heresia:

(1) Moral: Heresia como um pecado (peccatum) contra a lei divina.

(2) Canônica: Heresia como um crime (delictum) contra a lei canônica.

A distinção moral/canônica é fácil de entender aplicando-a ao aborto, que também pode ser
considerado sob os mesmos dois aspectos:

(1) Moral: Pecado contra o 5° Mandamento que resulta na perda da graça santificante.

(2) Canônico: Crime contra o cânon 2350.1 do Código de Direito Canônico que resulta
em excomunhão automática.

Pe. Boulet, como tantos outros controversos anti-sedevacantistas, parece pensar que é o segundo
aspecto da heresia — heresia como um crime contra a lei canônica — que torna um herege público
incapaz de se tornar um verdadeiro papa ou que automaticamente o priva de seu cargo se ele cai em
heresia depois de já ter sido eleito.

Por consequência, pe. Boulet cita uma grande extensão de critérios do Código de Direito Canônico
que são usados para determinar quando um crime é imputável, público, notório, pertinente, etc.
Quaisquer "heresias" dos papas pós-conciliares, ele sustenta, não atendem a esses padrões
canônicos., então (ele conclui) não há nada para o caso sedevacantista.

Mas tudo isso é completamente errado. Não é heresia no segundo sentido (crime contra a lei
canônica), mas heresia no primeiro sentido (um pecado contra a lei divina) que impede que um
herege público se torne ou permaneça papa. Isto é claro a partir do ensino de canonistas pré-
Vaticano II como Coronata:

“III. Nomeação para o ofício do Primado [i.e. papado].

1° O que é requerido pela lei

divina para esta nomeação: … Também é exigido para a validade que a nomeação seja
de um membro da Igreja. Hereges e apóstatas (pelo menos os públicos) são
excluídos.”…

“2° Perda do ofício do Romano Pontífice. Isso pode ocorrer de várias maneiras: … c)
Heresia notória. …“Se de fato acontecesse tal situação, ele [o Romano Pontífice], por
lei divina, deixaria o cargo sem qualquer sentença, mesmo sem declaração de uma.”
(Institutiones Iuris Canonici [Roma: Marietti 1950] 1:312, 316. Minha ênfase.)

A lei divina remove o papa herético. Não é necessário, portanto, procurar todos os critérios
estabelecidos para crimes contra a lei canônica.
Tentar fazê-lo no caso de um papa, aliás, é cometer um “erro de categoria” — atribuir a alguma
coisa uma propriedade que não poderia ter. Um papa, como Legislador Supremo, está acima da lei
canônica, e portanto não pode cometer um crime contra ela, então nenhum ato maléfico que ele
comete pode ser apropriadamente chamado de “crime”. Só pode ser chamado de pecado, porque
ele está sujeito à lei divina por si só.
II. SUPOSIÇÕES ERRADAS SOBRE
“MANIFESTO,” “PÚBLICO,” “NOTÓRIO”
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A maioria dos controversos anti-sedevacantista, como pe. Boulet, ao longo dos anos têm feito
exatamente o mesmo erro. Por quê? A resposta está nas suas falsas suposições sobre o significado
de termos técnicos.

A longa linha de teólogos e canonistas ao longo dos séculos que examinaram a questão de um papa
herético distinguiu entre dois tipos gerais de heresia papal de acordo com o “aviso” ou
“publicidade” que recebeu.

(1) “Oculta” (isto é, secreta ou oculta) heresia. (Por exemplo, escrita em um diário,
proferida em privado para algumas pessoas discretas, etc.)

(2) Um segundo tipo de heresia que não é oculta. (Por exemplo, publicada em um
documento oficial, proclamada em um discurso público, etc.)
Para estes últimos, os vários tratados teológicos e canônicos nem sempre usavam um termo
idêntico, mas empregavam uma variedade de expressões para descrever o herético papal ou sua
heresia: “pública”, “notória”, “manifesta”, “abertamente divulgada,” etc.

Estes eram termos genéricos que não tinham um significado uniforme em fontes e autores
antes do Código de 1917, e eram simplesmente usados em contraposição ao “oculto” (Veja F.
Roberti, “De Delictis e Poenis”, schemata praelectionum [Roma: Latrão 1955] 80-1). Os autores
que escreveram sobre a questão de um papa herético depois do Código de 1917 continuaram a usar
a mesma linguagem genérica para distinguir entre heresia oculta e não oculta.

Por isso, pe. Boulet e muitos outros como ele caíram no anacronismo sobre a terminologia. Eles
confundem essa linguagem genérica usada por autores que escrevem sobre a heresia papal
anteriormente ao Código, e subsequentemente consideradas até por autores após o Código, como
uma indicação de que todos os critérios minuciosos da legislação penal do Código devem ser
satisfeitos antes que uma perda do cargo papal possa acontecer.

Este, infelizmente, é um erro fatal, então nenhum dos argumentos deles sobre este assunto pode ser
usado contra o caso sedevacantista.
Tradução: Ignez G S Lombardo

 Rev. Padre Anthony Cekada, 

A Pope as a “Manifest” or “Public” Heretic)

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