S. CONGREGAÇÃO DOS SACRAMENTOS
Decreto “Quam singulari”
1. As paginas do Santo Evangelho manifestam às claras o singular amor que Jesus Cristo teve aos meninos, durante os dias da sua vida mortal. Eram suas delícias estar no meio deles; costumava impor-lhes as mãos, abraçava-os e abençoava-os. Levou a mal que os seus discípulos os apartassem dele, repreendendo-os com aquelas graves palavras: deixai que os meninos venham a mim, e não os proibais, pois deles é o Reino de Deus(Mc 10, 13. 14. 16). E quanto estimava a sua inocência e a candura de suas almas, bem o manifestou quando, chamando a um menino, disse a seus discípulos: Na verdade vos digo, se não vos fizerdes como meninos, não entrareis no reino dos céus. Todo aquele que se humilhar como este menino, este é o maior no reino dos céus: E aquele que receber um menino tal como estes em meu nome, a Mim é que recebe (Mt 18, 3. 4. 5).
A disciplina da Igreja primitiva
2. Tendo presente tudo isto, a Igreja Católica, logo desde seus princípios, curou de aproximar os pequeninos de Cristo, valendo-se da Comunhão Eucarística, que costumava administrar-lhes sendo ainda meninos de peito. Isto, como aparece prescrito em quase todos os Rituais antigos até o século XII, fazia-se no ato do Batismo, costume que em alguns sítios perseverou até tempos posteriores, e que ainda subsiste entre os gregos e os orientais. E para arredar o perigo de que os meninos de peito vomitassem o Pão consagrado, logo de princípio se generalizou o costume de administrar-lhes a Sagrada Eucaristia debaixo da espécie de vinho.
3. E não só no ato do Batismo, mas também depois, e repetidas vezes, os meninos eram alimentados com esse divino manjar, pois foi costume de algumas igrejas dar a Comunhão aos meninos imediatamente depois de comungar o clero; e noutras partes, depois da Comunhão dos adultos, os meninos recebiam os fragmentos que sobravam.
4. Este costume desapareceu mais tarde na Igreja latina, e os meninos não eram admitidos à sagrada Mesa enquanto o uso da razão não estivesse de algum modo desperto neles e pudessem ter alguma idéia do Augusto Sacramento. Esta nova disciplina, já aceita nalguns Sínodos particulares, foi confirmada com a sanção solene do IV Concilio ecumênico de Latrão no ano de 1215, no célebre cânon XXI, no qual aos fiéis, depois de atingirem a idade da razão, se prescreve a Confissão sacramental e a Sagrada Comunhão: “Todo e qualquer fiel de um e outro sexo, apenas chegar aos anos da discrição, confesse fielmente todos os seus pecados ao próprio sacerdote, ao menos uma vez no ano, e faça por cumprir a penitência imposta, recebendo com reverência ao menos na Páscoa o Sacramento da Eucaristia, a não ser que, por conselho do próprio sacerdote e por algum motivo razoável, haja de se abster desta Comunhão por algum tempo”.
5. O Concilio de Trento (sessão XXI, de Communione, c. 4), sem de modo algum reprovar a antiga disciplina, que era administrar a Eucaristia às crianças antes da idade de razão, confirmou o decreto de Latrão, e anatematizou os partidários da opinião contrária: “Se alguém negar que os cristãos dos dois sexos, todos e cada um, chegados à idade de discrição, são obrigados a comungar a cada ano pelo menos na Páscoa, consoante o preceito da nossa Santa Madre Igreja, seja anátema” (Sess. XIII, De Eucharistia, c. d, cân. 9).
6. Portanto, por força do decreto de Latrão mais acima citado e sempre em vigor, os fiéis, desde que tenham atingido a idade da discrição, são obrigados a aproximar-se, ao menos uma vez por ano, dos Sacramentos da Penitência e da Eucaristia.
Gravíssimos abusos
7. Mas, na determinação desta idade da razão ou da discrição, introduziram-se com o decorrer do tempo numerosos e deploráveis abusos. Uns julgavam que podiam determinar-se duas idades distintas, uma para o Sacramento da Penitência, outro para receber a Eucaristia. Para a Penitência, segundo eles, idade da discrição devia significar aquela em que se pode distinguir o bem do mal, e portanto, pecar; mas para a Eucaristia exigiam uma idade mais adiantada, em que os meninos pudessem apresentar um conhecimento mais completo da Religião e uma disposição de espírito mais amadurecida e ponderada. E assim, consoante a variedade dos usos e das opiniões, a idade da Primeira Comunhão foi fixada aqui aos 10 ou 12 anos, acolá aos 14 ou mais ainda, proibindo-se às crianças e aos adolescentes de menos idade a Comunhão.
8. Este costume que, sob o pretexto de acautelar o respeito devido ao Augusto Sacramento, afasta dele os fiéis, foi causa de males sem conta. Sucedia, de fato, que a inocência da criança, arrancada às carícias de Jesus Cristo, não se alimentava de nenhuma seiva interior; e – desastrada conseqüência! – a juventude, privada de socorro eficaz e cercada de laços, perdia a sua candura e resvalava no vício, antes de ter saboreado os Santos Mistérios. E ainda que se preparasse a Primeira Comunhão por uma formação mais séria e uma Confissão mais cuidada, o que aliás se não faz em toda parte, sempre é muito para deplorar a perda da inocência batismal, o que talvez se pudesse ter evitado, recebendo a Santa Eucaristia em idade mais tenra.
9. Nem merece menor censura o costume existente em muitos lugares de não confessarem os meninos não admitidos à Sagrada Mesa, ou de não os absolver, com o que é muito fácil que permaneçam longo tempo em estado de pecado, com gravíssimo perigo para sua salvação.
10. E o mais grave ainda é que em alguns lugares, aos meninos não admitidos à primeira Comunhão, nem mesmo em perigo de morte se lhes permite receber o Santo Viático e, se falecem, enterrados como crianças, não são ajudados pelos sufrágios da Igreja.
11. Tais danos ocasionam os que se preocupam mais do que é justo em que à Primeira Comunhão antecedam preparações extraordinárias, não atentando que essas excessivas precauções são restos de erros dos jansenistas, que sustentavam que a Santíssima Eucaristia era prêmio, não medicina da fragilidade humana.
12. Muito ao contrário pensara o Concilio de Trento, que ensina que ele é “o antídoto por meio do qual somos livres das culpas cotidianas e preservados dos pecados mortais” (Sess. XIII, de Eucharistia), doutrina que ainda há pouco foi instantaneamente inculcada pela Sagrada Congregação do Concilio no decreto publicado a 26 de dezembro de 1905, no qual a todos se recomenda a Comunhão cotidiana, quer sejam pessoas duma idade mais adiantada, quer de tenros anos, contanto que satisfaçam as duas condições: estado de graça e intenção reta da vontade.
13. Nem se vê, na verdade, o motivo justo por que, distribuindo-se antigamente às crianças, ainda mesmo de peito, os restos das sagradas espécies, afora se exija uma preparação extraordinária das crianças que ainda se encontram na condição felicíssima da primeira candura e inocência e que muito carecem daquele alimento místico, em razão de tantas ciladas e perigos que as assediam nesta idade. Estes abusos vêm de não terem indicado bem qual seja a idade de discrição aqueles que marcam uma idade para a Penitencia, outra para a Comunhão. O Concilio de Latrão determina a mesma idade para ambos os sacramentos, identificando a obrigação de receber um e outro. Por conseguinte, assim como para a Confissão a idade da discrição é aquela que se pode distinguir o honesto do que o não é, o que se dá quando se adquire algum uso da razão, assim para Comunhão é aquela em que o pão eucarístico se pode distinguir do pão ordinário, o que se dá igualmente logo que se tem algum uso de razão.
14. Assim se entenderam os principais intérpretes do Concilio de Latrão, bem como os que viveram naquela época. E da história da Igreja consta que muitos Sínodos e decretos episcopais, já desde o século XII, pouco depois do Concilio de Latrão, admitiam à Primeira Comunhão os meninos de sete anos. Temos disso uma testemunho da máxima autoridade nas palavras do Doutor de Aquino: “Quando os meninos começam a ter algum uso da razão, de maneira a poderem sentir devoção a este sacramento (a Eucaristia), então pode administrar-se-lhes o mesmo sacramento” (Sum. Theol. 3 par. Q. 80, a. 9, ad 3). Este texto é comentado por Ledesma nos seguintes termos: “Afirmo consoante o parecer unânime dos autores que a todos os que tiverem uso da razão, por muito cedo que o adquiram, se deve administrar a Eucaristia, embora o menino mal saiba o que faz” (In Tom. 3 p, q. 80, a. 9, Sub. 6). Vasquez explica assim a mesma passagem: “Apenas o menino atingir o uso da razão, está logo obrigado, por direito divino, de forma que nem a Igreja o pode de modo algum dispensar” (In 3 P. S. Thom. disp. 214, c. 4, nº 63). Tal é também a posição de S. Antonino, que escreveu: “Quando (o menino) for capaz de malícia, isto é, quando puder pecar mortalmente, está obrigado ao preceito da Confissão e por conseguinte ao da Comunhão” (P. III, tit. 14, c. 2, § 5). Para a mesma conclusão nos leva o Concilio Tridentino. Ao lembrar-nos na Sess. XXI, c. 4, que “os meninos antes do uso da razão nenhuma necessidade e nenhuma obrigação tem de comungar”, dá como única razão a de que não podem pecar, “visto que (diz o Concilio) nessa idade não podem perder a graça de filhos de Deus que receberam”. Donde se vê claramente que a idéia do Concilio é que os meninos só necessitam da Comunhão e estão a ela obrigados, quando pelo pecado podem perder a graça. E com estas palavras concordam as do Concilio Romano celebrado no Pontificado de Bento XIII, e que ensina que a obrigação de receber a Eucaristia começa “desde que os meninos e meninas chegarem à idade da discrição, isto é, à idade em que estão aptos para diferençar do pão comum e profano o alimento sacramental, que não é outro senão o verdadeiro Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo, e para se aproximarem da Mesa Eucarística com a devida piedade e devoção” (Istruzione per quei che debbono la prima volta ammetersi alla S. Communione. Append. XXX, p. 11). OCatecismo Romano, exprime-se por este teor: ”Em que idade se hão de dar aos meninos os sagrados mistérios, ninguém melhor o pode determinar do que o pai e o sacerdote, a quem eles confessam os seus pecados. A estes pertencem averiguar e saber dos meninos, se já adquiriram algum conhecimento deste admirável Sacramento e se tem gosto em o receber” (P. II, De Sacr. Euchar., nº 63).
Conclusão forçosa e necessária
15. De tudo isso se deduz que a idade de discrição para comungar é aquela em que o menino sabe distinguir o pão Eucarístico do pão comum e corporal para poder devotamente aproximar-se do altar. Portanto não se exige um conhecimento completo das verdades da Fé, pois basta só conhecer alguns elementos, isto é, ter alguns conhecimentos, nem se requer o uso perfeito e cabal da razão, pois basta um princípio, isto é, algum uso da razão. Conseguintemente, protelar para mais tarde a Comunhão, e determinar idade mais adiantada para a receber, é costume que de todo se deve reprovar, e a Sé Apostólica muitas vezes o condenou. E assim Pio IX, de feliz recordação, em carta do Cardeal Antonelli aos Bispos da França, datada de 12 de março de 1866, reprovou severamente a praxe introduzida em várias dioceses de diferir a Primeira Comunhão para idade prefixa mais adiantada. Da mesma sorte a Sagrada Congregação do Concilio, a 15 de março de 1851, corrigiu um capítulo do Concilio Provincial de Ruão, que proibia dar a Comunhão aos meninos antes dos doze anos. E também assim procedeu esta Sagrada Congregação da Disciplina dos Sacramentos na causa de Estrasburgo em 25 de março de 1910, na qual, perguntando-se se podiam ou não admitir-se à Sagrada Comunhão os meninos de doze e catorze anos, respondeu: “Os meninos e meninas, logo que chegarem aos anos da discrição, ou uso da razão, devem ser admitidos a sagrada Mesa”.
Normas a seguir
16. O que tudo visto e seriamente ponderado, esta Sagrada Congregação da disciplina dos Sacramentos, reunida em assembléia geral em 15 de julho de 1910, para acabar de todo com os mencionados abusos, e para que os meninos desde a mais tenra idade se abracem com Jesus Cristo e vivam da sua vida n’Ele encontrem preservação contra os perigos da corrupção, julgou oportuno estabelecer a seguinte norma para ser seguida em toda parte acerca da Primeira Comunhão:
I. A idade da discrição para a Comunhão é aquela em que o menino começa a raciocinar, isto é, pelos sete anos mais ou menos. Então começa a obrigação de satisfazer a ambos os preceitos da Confissão e Comunhão.
II. Para a primeira Confissão e primeira Comunhão não é necessário um pleno e perfeito conhecimento da Doutrina cristã. O menino irá depois gradualmente aprendendo todo o Catecismo segundo a sua inteligência.
III. O conhecimento da religião que se requer no menino para a primeira Comunhão é que, segundo o seu desenvolvimento, perceba os mistérios da fé necessários por necessidade de meios (necessitate medii) e distinga o pão eucarístico do pão comum e corpóreo, de sorte que se aproxime da Eucaristia com a devoção própria da sua idade.
IV. A obrigação do preceito da Confissão e Comunhão que onera o menino recai principalmente sobre aqueles que o tem ao seu cuidado, isto é, os pais, o confessor, os mestres e o pároco. Aos pais, porém, ou aos que fazem as suas vezes, e ao confessor, é que pertence admitir um menino à primeira Comunhão.
V. Uma vez ou mais no ano, cuidem os párocos de fazer alguma Comunhão geral de meninos, chamando a ela não só as crianças que comungam de novo, mas também aquelas que já comungaram pela primeira vez por consentimento dos pais e do confessor, como dissemos. Para umas e outras haja alguns dias de instrução e preparação.
VI. Os que têm a seu cuidado as crianças devem fazer com que depois da primeira Comunhão se cheguem muitas vezes à sagrada Mesa, e, se possível for, todos os dias, conforme o desejo de Jesus Cristo e da Igreja, e que o façam com a devoção própria da sua idade. Lembrem-se aqueles, a quem pertence, do gravíssimo dever que tem de providenciar para que as catequeses públicas assistam os meninos, ou ao menos provejam de algum modo à sua formação religiosa.
VII. O costume de não admitir à Confissão, e não absolver os meninos que chegarem ao uso da razão, é absolutamente reprovado. Por isso os Ordinários dos lugares cuidem de o extirpar, empregando até os remédios do Direito.
VIII. É inteiramente detestável o abuso de não administrar o Viático e a Extrema-Unção aos meninos que chegaram ao uso da razão, e de sepultá-los à maneira das crianças. Os Ordinários dos lugares castiguem severamente aqueles que disso se não emendarem.
Conclusão
17. O Nosso Santíssimo Senhor e Papa Pio X, em audiência de 7 do corrente mês, aprovou todas as sobreditas resoluções dos Emos. Cardeais desta Sagrada Congregação, e ordenou que se publicasse e promulgasse o presente Decreto. A todos e a cada um dos Ordinários mandou que dessem conhecimento do mesmo decreto não só aos párocos e clero, mas também ao povo, a quem Sua Santidade quer que seja lido em língua vernácula todos os anos, pelo tempo da desobriga. Os mesmos Ordinários no fim de cada período de cinco anos juntamente com o relatório dos outros negócios da diocese, deverão dar conta da observância do presente Decreto.
Não obstam quaisquer disposições em contrário.
Dado em Roma no palácio da mesma Sagrada Congregação a 8 de agosto de 1910.
† O. Cardeal D. Ferrata, Prefeito.
I. Giustini, Secretário.
Fonte: Arena da Teologia
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