sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

O DIREITO DE JULGAR A HERESIA

Triunfo de Santo Tomás de Aquino sobre os heréticos


OS PARTICULARES TÊM O DIREITO DE JULGAR QUE ALGUÉM É HEREGE ANTES DO JULGAMENTO DIRETO DA IGREJA?
(2000)
John S. Daly

“De que serviria a regra de fé e costumes, se a cada caso particular não pudesse fazer imediata aplicação dela o simples fiel?”
(D. Félix Sardá y Salvany, O Liberalismo É Pecado, cap. XXXVIII, p. 150).

Sim, um particular tem o direito, em certos casos, de julgar que alguém é herege antes do julgamento direto da Igreja, desde que sejam respeitadas algumas condições, a saber:
1. A falsa doutrina, defendida pela pessoa em questão, deve estar em oposição manifesta edireta a uma verdade que certamente deve ser crida com fé divina e católica*.
[*Enquanto o cânon 1325 declara herege quem nega ou duvida pertinaciter (pertinazmente) de uma verdade a ser crida com fé divina e católica, o cânon 1323 sublinha que doutrina alguma é considerada pertencente a essa categoria “nisi id manifeste constiterit” (a não ser que isso seja manifesto). Herrmann resume a doutrina comum dos teólogos fazendo a precisão de que proposição herética é aquela que se opõe diretamente, certamente e manifestamente a uma dessas verdades (Inst. Theol. Dogm. I. 32).]

2. Deve ser moralmente certo que o acusado percebe o conflito direto entre a opinião dele e o ensinamento da Igreja Católica*.
[*Santo Afonso de Ligório: “Ninguém é herege enquanto estiver disposto a submeter seu juízo à Igreja, ou ignorar que a verdadeira Igreja de Cristo sustenta o contrário, mesmo se defender mordicus a sua opinião em consequência de ignorância culpável ou mesmo crassa.” (Theol. Moral., lib. 3, n. 19). Para saber como reconhecer essa “pertinácia”, ver: De Lugo, Disputationes Scholasticae et Morales, Disp. XX, De Virtute Fidei Divinae, Sectio vi; e A. V. Xavier da Silveira, Atos, Gestos, Atitudes e Omissões Podem Caracterizar o HeregeCatolicismo n.º 204, dezembro de 1967.]
3. Um tal julgamento obriga em consciência somente a quem o forma, em pleno conhecimento de causa, e a mais ninguém*.
[*Ver D. Félix Sardá y Salvany, O Liberalismo é Pecado, capítulo 38 para a distinção entre o julgamento do particular e o da autoridade em matéria doutrinal. Note-se também, por exemplo, que na Bula Cum Ex Apostolatus declarando nula toda eleição de um herege ao Papado, Paulo IV convida os que perceberem essa nulidade a retirar sua obediência ao eleito, mas não censura de maneira alguma os que permanecessem na comunhão deste. Consultar também Santo Tomás de Aquino, Summa Theologiae, II-II, 60,6: “…assim como seria injusto se um homem constrangesse outro a observar uma lei que não foi aprovada pela autoridade pública, assim também é injusto se um homem constrange outro a submeter-se a um julgamento pronunciado por alguém que não a autoridade pública.”]
4. É obrigatório inclinar-se, por caridade, tanto quanto for razoavelmente possível, em prol do suspeito e somente como último recurso chegar à conclusão de que alguém é herege*.
[*Se, na avaliação dos fatos, devemos almejar sobretudo conformar nosso juízo à verdade objetiva, Santo Tomás recorda-nos de que, ao julgarmos os homens, “nós devemos antes nos esforçar por julgá-los bons, a não ser que se apresentem provas manifestas do contrário.” (Summa Theologiae, II-II, Q.60, A.4, responsio ad secundum)
Sto. Agostinho aplica a lei da caridade mais explicitamente aos casos de falhas na ordem doutrinal pelas palavras seguintes: “E, contudo, se, dentro da Igreja, homens diferentes ainda detivessem opiniões diferentes sobre o assunto, sem nesse ínterim violarem a paz, então até que um decreto simples e claro seja emitido por um Concílio universal, seria correto à caridade que procura a unidade cobrir com um véu o erro da enfermidade humana, como está escrito: ‘Pois a caridade apaga uma multidão de pecados’. Pois vendo que a ausência dela [da caridade] faz com que a presença de tudo o mais seja vã, podemos muito bem supor que, na presença dela, encontra-se perdão para algumas coisas faltantes.” (Sobre o Batismo, contra os donatistas, livro 1).]

Por essas razões, eis os escolhos a evitar:
1. Chamar de “heresia” um erro que se opõe a uma doutrina ensinada pela Igreja, mas não como devendo ser crida com fé divina e católica, ou que não pertence certamente a essa categoria;
2. Chamar de “heresia” um erro que se opõe a uma doutrina a ser crida com fé divina e católica, quando a oposição não é direta e manifesta, mas depende de vários passos de raciocínio: nesses casos, a qualificação de “heresia” não é aplicável antes de um julgamento definitivo por parte da Igreja;
3. Acusar de cisma ou heresia aqueles que, sem abraçar a heresia em questão, recusam-se a qualificá-la de heresia ou a considerar hereges os partidários dela, preferindo esperar um julgamento formal da Igreja;
4. Afirmar a presença de pertinácia quando podem-se conceber razoavelmente outras explicações.

Antes de apresentar as provas positivas, respondo a duas objeções frequentes:
1.ª Objeção: “A proposição herética é uma proposição diretamente e claramente oposta a uma doutrina que deve ser crida com fé divina e católica, coisa que o particular é capaz de constatar. Mas o delito de heresia, que torna herege o culpado, exige também a culpabilidade moral: a rejeição consciente da doutrina católica por alguém que não ignora o dever de aceitá-la. Esse elemento chama-se pertinácia. Existe somente na alma e, por isso, não pode ser objeto do julgamento de um particular, que só enxerga o que é exterior.”
Resposta: Assim como em se tratando de qualquer outro pecado, o cristão deve esforçar-se para não atribuir o pecado de heresia ao seu próximo enquanto outra explicação permanece possível. Mas a caridade não obriga a acrobacias mentais para escusar o que é manifesto. Além disso, não se trata aqui de constatar a pertinácia tal como é definida pelos moralistas, mas, sim, tal como é definida pelos canonistas: a rejeiçãoconsciente do dogma por parte de uma pessoa batizada*. Isso prescinde da ordem moral, julgando somente no foro externo, sem contudo cair no erro de presumir a pertinácia quando permanece a possibilidade de simples ignorância ou inadvertência. “A obstinação pode ser presumida quando a verdade revelada foi proposta com clareza e força suficientes para convencer um homem razoável.” (Dom Charles Augustine, A Commentary on Canon Law[Comentário à Lei Canônica], Vol. 8, p. 335.)
[* “A intenção de não se submeter à autoridade eclesiástica é necessária e suficiente para constituir a pertinácia contra a fé.” (Suarez, Opera, XII, p.474, éd. Vivès). Muitos outros autores podem ser citados para confirmar o fato simples de que, quando um batizado nega conscientemente uma doutrina de fé divina e católica, ele é considerado herege no foro externo. No foro interno, claro está, ele pode não ser culpado do pecado de heresia. Talvez ele aja em consequência de um delírio patológico, de pavor ou da influência de um narcótico. Talvez ele, muito simplesmente, nunca tenha aprendido o dever de submissão ao Magistério. Nessas hipóteses, o extraviado não é culpado do pecado de heresia. Mas, aos olhos da Igreja, ele não é um dos fiéis dela. No foro externo ele é considerado herege. (Ver Cardeal Billot, De Ecclesia, 4.ª ed., p. 289-90, e o Cônego E. J. Mahoney, nas páginas da Clergy Review, 1952, vol. XXXVII, p. 459, onde o assunto foi analisado detalhadamente.)]
2.ª Objeção: “Um tal julgamento inevitavelmente constitui usurpação dos direitos da autoridade eclesiástica.”
Resposta: A sentença da autoridade eclesiástica resolve todos os casos duvidosos e obriga a adesão de todo católico. Quando os fatos não admitem dúvida, o indivíduo que antecipa o julgamento da autoridade não lesa em nada essa autoridade, na medida em que ele distingue bem entre a opinião particular dele e a sentença oficial, limitando o alcance da primeira ao foro de sua própria consciência. (Ver Félix Sardá y Salvany, O Liberalismo é Pecado, capítulo 38).

Provas de que o particular pode, em certos casos, constatar a heresia antes do julgamento da Igreja:
1. Denzinger 1105: o Papa Alexandre VII condenou a proposição segundo a qual não estamos obrigados a denunciar às autoridades alguém que constatamos ser certamente herege se não tivermos prova estrita disso. Essa condenação implica diretamente que o particular está por vezes capacitado a saber que alguém é herege antes que as autoridades da Igreja o percebam, e mesmo sem ter disso prova formal.
2. Santo Afonso de Ligório trata do dever de denunciar os hereges, mesmo na própria família. Ele afirma que esse dever obriga sem exceção, mas somente quando o extraviado é realmente e formalmente herege, e não apenas suspeito ou errando de boa fé. Essa distinção, apresentada de maneira clara e detalhada, seria perfeitamente ociosa se o particular não pudesse reconhecer um herege antes de as autoridades intervirem. Santo Afonso presume então, claramente, que o particular pode, por vezes ao menos, distinguir entre a suspeita de heresia e um caso em que há certeza, e reconhecer a presença ou a ausência da pertinácia. (Theologia Moralis, lib. 5, n. 250).
3. O cânone 1325 dá a definição clássica da palavra “herege”, haurida de Santo Tomás: “uma pessoa batizada que, embora continuando a pretender-se cristã, nega ou duvida pertinazmente de uma verdade que deve ser crida com fé divina e católica.” Os canonistas estão de acordo em dizer que a pertinácia em questão consiste no fato de saber que a doutrina negada (ou da qual se duvida) é ensinada pela Igreja como revelada. Nada aqui ultrapassa necessariamente a capacidade de julgamento do particular.
4. O cânone 2314 declara que todo herege incorre em excomunhão latae sententiae. Certas penas devem ser infligidas depois de admoestação por parte da autoridade, mas a própria excomunhão é incorrida automaticamente a partir do instante mesmo em que a heresia é exprimida. As penaslatae sententiae não são impostas lá onde a pessoa não pode constatar o delito antes da sentença: não serviriam para nada.
5. O cânone 188/4 declara que se um clérigo defecciona publicamente da fé católica, todos os seus ofícios tornam-se vagos só por esse fato e sem necessidade de declaração oficial. Os canonistas estão de acordo em assegurar que essa defecção se verifica pela heresia pública conforme a definição do cânone 1325: não há necessidade de entrar para uma seita. Ora, este cânone careceria totalmente de sentido e de valor se ninguém pudesse constatar a presença da heresia antes do julgamento oficial. Como poderia um ofício ficar vago automaticamente, pelo próprio fato da heresia, e sem declaração, se na realidade um processo e uma declaração se mostrassem necessários? Qual seria o propósito de alertar-nos para esse efeito da heresia pública, se não o pudéssemos levar em conta alguma?
6. O sentido do cânone 188/4 é claro em si mesmo. “Clara verba non indigent interpretatione sed executione” [*Cf. Santo Tomás de Aquino,Summa Theologiae, II-II, Q.120, A.1, resp. ad tertium.]. Os canonistas são unânimes a esse respeito. Entretanto, esse cânone nunca foi objeto de interpretação oficial emanada da Santa Sé. Em contrapartida, ele tem um irmão gêmeo: o cânone 646/1 n. 2, concernente à vida religiosa, o qual foi explicado oficialmente e que esclarece muito também o cânone 188/4. Pois, de fato, o cânone 646/1 n. 2 declara que todo religioso que abandone publicamente a Fé Católica tem de ser considerado, por esse fato mesmo, legitimamente demitido.
O segundo parágrafo do mesmo cânone requer que o fato em questão (heresia pública e consequente demissão automática) seja declarado pelo superior responsável. Os canonistas afirmam que o abandono público da Fé cumprir-se-ia por todo e qualquer caso de heresia pública. Em vista do segundo parágrafo, a Santa Sé foi consultada sobre se a demissãodepende dessa declaração do superior. A Comissão para a Interpretação do Código respondeu, em 30 de julho de 1934: negativo. O canonista Jone explica que a declaração do superior não envolve processo algum e serve tão somente para dar a conhecer fatos que já tiveram efeito: a heresia e a demissão automática que ela acarreta. Manifestamente, portanto, o superior e os demais religiosos devem ser capazes de constatar o fato da heresia, para poderem tirar daí as consequências práticas.
7. Numerosíssimos teólogos debateram a possibilidade de um Papa cair em heresia seja antes, seja depois de sua eleição. Essa hipótese pode esclarecer também o efeito da heresia pública de um transgressor de escalão inferior, enquanto se aguarda um julgamento da Igreja. Alguns consideraram que, na hipótese de um papa herege, haveria que continuar a considerar Papa o incréu: Caetano, Suarez, João de S. Tomás, Bouix, Journet. Mas o peso da autoridade está maciçamente do lado oposto: autorizando, em caso certo e público, os fiéis a subtrair-se da autoridade já perdida pelo fato mesmo da heresia: São Roberto Bellarmino, Santo Afonso de Ligório, Ballerini, Naz, Billot, Sylvius, Melchior Cano, Wernz-Vidal etc.
Ora, essa doutrina não valeria nada e seria inclusive absurda se os fiéis não pudessem reconhecer a heresia e tirar daí as consequências práticas. O tratado de São Roberto Bellarmino sobre esse tópico no seu De Romano Pontifice é de um valor particular. Ele considera absolutamente desprovida de toda a probabilidade a opinião contrária. E, dentre as cinco opiniões que ele elenca sobre o caso do papa herético, a ideia de que seria necessariamente impossível de reconhecer um caso desses, em vista da natureza oculta da pertinácia, nem sequer figura.
8. Santo Hipácio, monge na Bitínia, fez questão de suprimir o nome do herege Nestório dos dípticos sagrados a partir do momento em que este começou a pregar sua heresia, dividindo a unidade de pessoa em Nosso Senhor. O Ordinário de Hipácio, Eulálio, embora recusasse a heresia do patriarca Nestório, repreendeu o santo monge por se ter retirado da comunhão do Patriarca antes do julgamento de um Concílio. Hipácio respondeu-lhe: “…eu não posso inserir o nome dele no Cânon da Missa, pois um heresiarca não é digno do título de pastor na Igreja; fazei de mim o que bem entenderdes, estou pronto a tudo sofrer, e nada me fará mudar de conduta.” (Petits Bollandistes, 17 de junho).
9. O julgamento de Santo Hipácio parece confirmado não só pela aprovação de seus hagiógrafos, como também pelo decreto do Papa São Celestino, segundo o qual todos os atos de Nestório deveriam ser considerados nulos a partir do momento em que ele começou a pregar a heresia… “pois aquele que abandonou a Fé por meio de uma tal pregação não é capaz nem de destituir nem de depôr quem quer que seja.” (São Roberto Bellarmino, De Romano Pontifice, Cap. XXX). Os excessos de uma certa escola de tradicionalistas tornam oportuno recordar que Santo Hipácio não se retirou, porém, da comunhão de Eulálio, seu Ordinário!
10. Aconteceu diversas vezes de um santo suspeitar de heresia um Papa reinante, ao ponto de ameaçar retirar-se da obediência dele, caso o Papa não se emendasse. São Bruno, Santo Hugo de Grenoble e São Godofredo de Amiens tomaram todos essa atitude frente ao Papa Pascal II; se Santo Ivo de Chartres opôs-se a eles, foi por considerar que o comportamento deles era incorreto “…a menos que… a pessoa posta na Cátedra de Pedro… se desviasse manifestamente da verdade do Evangelho” (Patrologia Latina, t. 162, col. 240). Noutras palavras, também Santo Ivo sustentava a posição acima exposta, mas não pensava que a hipótese contemplada por ela se tivesse realizado em seu tempo.
11. A Sagrada Escritura põe-nos em guarda, com frequência, contra os hereges. Não parece possível entender todos esses textos como referindo-se unicamente aos que foram condenados como tais pela Igreja ou pertencem a seitas condenadas.
(a) A mais impressionante é a passagem da Epístola de São Paulo aos Gálatas: “Mas ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos evangelizasse diferentemente de como nós vos evangelizamos, seja anátema*. Como já vo-lo dissemos, agora de novo o digo: se alguém vos anunciar um Evangelho diferente do que recebestes, seja anátema.” (I, 8,9) São Paulo não se contenta de advertir seus convertidos a recusar a nova doutrina; ele impõe-lhes pronunciar um julgamento, e dos mais severos, do malfeitor: o anátema, com tudo o que isso implica. E, visto que o anátema não convém ao caso de um católico que erra de boa fé, é evidente que São Paulo acredita que os Gálatas são capazes de distinguir entre o erro cometido de boa fé e a heresia pertinaz.
[*E essa hipótese paradoxal de um anjo do céu que pregaria outro Evangelho, não seria figura do paradoxo de nossos dias: o “papa” herege?]
(b) São Paulo ordena a Tito: “Foge do homem herege, depois da primeira e segunda correção, sabendo que tal homem está pervertido e peca, pois é condenado pelo seu próprio julgamento” (III, 10,11). Cornélio a Lapide e Bellarmino entendem que essas admoestações são necessárias quando é duvidoso se a pessoa é ou não é verdadeiramente pertinaz. No caso de heresia berrante, nenhuma monição seria necessária. Nosso Código de Direito Canônicoretém essa distinção.
(c) “Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós com vestes de ovelhas mas por dentro são lobos rapaces.” (Mateus VII,15) Tal é a advertência solene de Nosso Senhor acerca dos hereges ocultos. Alguns apologistas de Karol Wojtyla parecem ler aí, ao contrário, que temos de nos precaver, sobretudo, contra a possibilidade de rejeitar indiscretamente uma ovelha que teve a infelicidade de estar vestida em pele de lobo. Mas a palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo é o contrário disso. Ele nos alerta a tomar cuidado inclusive com hereges disfarçados (interpretação de Cornélio a Lapide, ad locum), o que não seria possível se fôssemos incapazes de penetrar além do disfarce deles (“vestes de ovelha”) e de reconhecer sua rejeição obstinada da Fé da Igreja, malgrado suas enganosas protestações de ortodoxia.
12. O Cardeal De Lugo, considerado por Santo Afonso o maior teólogo desde Santo Tomás, consagrou à questão da pertinácia necessária para alguém ser herege o estudo mais detalhado que conhecemos. Nada substitui a sua leitura. Ele discute a questão de saber se é necessária admoestação antes de constatar que alguém é herege. Após tratar dos pareceres de todos os teólogos e canonistas, ele afirma que monição nem sempre é necessária; nem, tampouco, é exigida sempre na prática pelo Santo Ofício. A razão disso é que a monição serve apenas para estabelecer que o indivíduo reconhece a oposição existente entre a opinião dele e o ensinamento da Igreja. Mas, se isso já fosse evidente, a admoestação seria supérflua. (Disputationes Scholasticae et Morales, Disp. XX, De Virtute Fidei Divinae, Sectio vi, n. 174 et seq.)
13. A Bula do Papa Paulo IV Cum Ex Apostolatus(15 de fevereiro de 1559, Bullarium Romanum vol. iv. sect. i, pp. 354-357) prevê que, caso os cardeais venham a eleger papa alguém previamente herege, a eleição seria simplesmente nula e os fiéis teriam pleno direito de se retirar da obediência do eleito, que não seria o cabeça deles. Os historiadores informam-nos que essa Bula visava, na mente do Papa Paulo IV, especialmente a possibilidade de que fosse eleito, após a sua morte, o Cardeal Morone, suspeito de heresia mas nunca condenado pela Igreja. Assim, o Papa admitia que os fiéis pudessem constatar a presença de heresia, e subtrair-se da obediência do “papa” por ela infectado, sem esperar um julgamento oficial.
J. S. Daly
In Festo Sanctarum Perpetuae et Felicitatis 2000

Fonte: Acies Ordinata



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