Michelangelo Buonarroti, O Último Julgamento (entre 1537 e 1541), Capela Sistina
Parece que não é lícito julgar:
1. Com efeito, só se inflige castigo a uma ação ilícita. Ora, os que julgam são ameaçados de um castigo, de que está isento quem não julga, como diz o Evangelho: “Não julgueis, se não quereis ser julgados” (Mt 72, 1). Logo, julgar é ilícito.
2. Além disso, diz também a Escritura: “Quem és tu para julgar o servo alheio? Só depende de seu senhor que ele caia ou fique de pé” (Rm 14, 4). Ora, o Senhor de todos é Deus Logo, a nenhum homem é lícito julgar.
3. Ademais, ninguém é sem pecado: “Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos”, diz João (I Jo 1, 8). Ora, não é permitido ao pecador julgar, segundo o testemunho da Carta aos Romanos: “Quem quer que sejas, és inescusável, ó homem que julgas. Pois, naquilo que julgas os outros a ti mesmo te condenas, praticando aquilo que julgas” (2, 1). Logo, a ninguém é lícito julgar.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, está escrito no Deuteronômio: “Estabelecerás juízes e magistrados em todas as tuas portas, para que julguem o povo com justiça” (16, 18).
O julgamento é lícito na medida em que é um ato de justiça. Ora, como já se explicou, para que o julgamento seja um ato de justiça, se requerem três condições: 1º que proceda de uma inclinação vindo da justiça; 2º que emane da autoridade competente; 3º que seja proferido segundo a reta norma da prudência. A falta de qualquer desses requisitos torna o juízo vicioso e ilícito. Assim, em primeiro lugar, se vai contra a retidão da justiça, é perverso e injusto. Em seguida, se alguém julga sem autoridade, o juízo será usurpado. Enfim, se carece da certeza, quando, por exemplo, se julga de coisas duvidosas e obscuras, apoiando-se em simples conjecturas, o juízo será qualificado de suspeito e temerário.
Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. No lugar citado, o Senhor proíbe o juízo temerário, tendo por objeto as intenções secretas do coração ou outros domínios incertos, como diz Agostinho. Ou então, interdiz que se julgue das coisas divinas, pois estando acima de nós, não as devemos julgar mas crer nelas simplesmente, assim o explica Hilário. Ou condena todo julgamento inspirado não pela benevolência, mas pelo ressentimento amargo. Tal é a interpretação de Crisóstomo.
2. O juiz é constituído ministro de Deus. Por isso, diz a Escritura: “Julgai segundo a justiça” (Dt 1, 6). E acrescenta: “Tal é o juízo de Deus”.
3. Os que estão em pecados graves não devem julgar os culpados das mesmas altas ou de faltas menores, como explica Crisóstomo. Mas, sobretudo, se os pecados são públicos, pois isso provocaria o escândalo nos corações dos outros. Se não são públicos, mas ocultos, e a necessidade do ofício exija que se julgue com urgência, pode-se argüir ou julgar, fazendo-o com humildade e temor. Daí a exortação de Agostinho: “Se nos encontrarmos no mesmo vício, havemos e gemer juntos, incitando-nos reciprocamente aos mesmos esforços”. Contudo, nem por isso o homem que julga se condena a si mesmo, incorrendo em uma nova condenação, a não ser que, condenando os outros, ele se mostre merecedor de condenação semelhante por estar no mesmo pecado ou em pecado semelhante.
Suma Teológica II-II, q.60, a.2
Fonte: Linhas Piedosas
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