A missa na Igreja Primitiva, do século I ao século IV.
Os textos dos mais antigos escritores cristãos, as descobertas arqueológicas e as pinturas das catacumbas permitem-nos fazer uma ideia bastante completa do que podia ser a celebração da missa (a palavra missa parece vir do latim missa, equivalente missio no baixo latim dos séculos IV a IX e que significa despedida. No fim da cerimônia, o diácono dizia, como hoje: Ite, missa est, ide, é o fim, a despedida. Há quem sustente que a palavra vem de mensa, repasto, com o sentido de refeição Sagrada, e que, no baixo latim, se tornou messa. A partir dos fins do século IV, foi aplicada ao rito inteiro. Encontranmos no termo kermesse, de origem flamenga ou Germânica: é a missa da Igreja, Kerk-messe, dia da Consagração do edifício ou dia do santo padroeiro. Nos tempos mais antigos do cristianismo, quando o grego era ainda a língua usual dos fiéis, parece que se serviam umas vezes da palavra Eucaristia, outras da palavra Eulogía, que significa benção.
Esta última reduziu-se depois ao sentido do pão consagrado ou qualquer objeto consagrado, um sentido que ainda hoje conserva-se na Igreja Ortodoxa Grega. É, na Igreja Primitiva designava se muitas vezes a missa com o termo Geral de Sacramento; em Santo Agostinho “Celebrar os sacramentos” significa dizer a missa, Sacramento por excelência. Daí provém o nome “sacramentário”, dado aos missais mais antigos), nos primeiros tempos do cristianismo, nos fins do Século II, por exemplo, nos princípios do século III.
Antes de mais nada, onde se realiza a reunião? É preciso repetir: as reuniões não tem por marco as catacumbas, a não ser em casos excepcionais, quando se trata de comemorar especialmente um Mártir, ou em tempos de perseguição violenta, quando se torna indispensável esconder-se. Assim, o vestíbulo dos Flávios, bem como estes ou aqueles oratórios do cemitério de Ostriano ou de Santo Hermes mostram ainda que serviam de lugares de culto. Mas, habitualmente, os cristãos reuniam-se em pleno dia. Um convertido amigo, um desses fiéis ricos que a fé acaba de ganhar para Cristo, põe a sua moradia à disposição da comunidade. Muitas igrejas de Roma guardam ainda a recordação desses proprietários que deram ao senhor as suas casas: Prisca, Cecília, Prudente, Clemente; aliás, debaixo das Fundações das basílicas, encontraram-se Muitas vezes os alicerces dessas casas.
As pesquisas de dura europos, nas areias do deserto Sírio, trouxeram a luz do dia uma dessas casas-templos. A disposição das casas romanas ricas, divididas em partes públicas e parte privadas, prestava-se admiravelmente à instalação do culto dentro das suas Paredes, talvez tenha sido a partir do fim do século I que os cristãos pensaram em edificar a ‘casa da igreja’ para ali terem salas mais espaçosas, já que a assistência aumentava te ano para ano. Em Roma, no século II, assim com em Edessa, Aparméia, Alexandria e Antióquia, não há dúvida de que havia aquilo que nós hoje chamamos igrejas. Muito antes de Constantino, houve-as na síria e na palestina. Espalhadas por toda a parte, deviam see numerosas, pois em várias ocasiões os imperadores que perseguiram o cristianismo no século III assinarão decretos ordenando sua destruição.
É no domingo dia comemorativo da Ressurreição, que substitui o Sabbath para os cristãos, que a missa tem toda a sua solenidade. Na tarde da véspera, houve a devida preparação por meio de preces, Salmos e instruções piedosas. É a vigília, quando se anuncia o novo dia, à meia-noite, começa a cerimônia propriamente dita, para acabar ad lucem, com o despontar da aurora; as nossas missas de meia-noite conservam ainda a lembrança dessa antiga prática (levanta-te na hora em que o galo canta — escreve Santo Hipólito — e reza, porque esta é a hora em que os filhos de Israel renegaram Cristo e em que nós, que cremos pela fé, olhamos cheio de esperança para a aproximação da luz eterna).
Começa então a missa, que compreende duas grandes partes: uma mais geral, que os catecúmenos podem assistir, e a outra reservada aos fiéis em que se realizam o sacrifício e o mistério. A primeira parte, uma espécie de introdução ao sacrifício, vai ser de oração e instrução, pois é necessário preparar os espíritos e os corações para se abrirem ao mistério. Em nome do Povo, uma Diácono ora; é a rogação ou Ladainha. tal como se lê nas constituições apostólicas, compilação do século IV, em que se recolheram tradições bem mais antigas, essa súplica que dizia assim: “Roguemos todos a Deus pelos catecúmenos, a fim de que ele, que é bom e ama os homens, escute as nossas orações e as acolha com favor. Que ele lhes revele a boa nova do seu Cristo, os ilumine no conhecimento Divino e o instrua nos seus mandamentos”. Segue-se uma série de pedidos dirigidos ao Senhor: pelos catecúmenos e pelos recém batizados, pelos doentes e pelos cativos; pelos condenados as minas; pelos Mártires que esperam o suplício, e também, conforme o preceito da caridade, por aqueles que os torturam e os enviam a morte. A cada um destes apelos a multidão responde com estas palavras gregas que ainda hoje pronunciamos Kyrie Eleison! Senhor, acolhei a nossa suplica! Em seguida, reunindo de algum modo todas as inquietações e todas as esperanças numa breve e comovente oração, o celebrante pronuncia a coleta, a oração de apelo de todos ao único Deus todo -poderoso e eterno, consolação de todos os que estão tristes, força dos Trabalhadores, que a súplica de todos os que sofrem chegue até Vós e que através das suas penas, todos se regozijem com a vossa misericórdia! E a voz unânime dá assistência responde em sinal de assentimento: Amém!” — assim seja!
Seguem-se as leituras, em número variável, a fim de familiarizar os cristãos com as tradições e os dogmas. Subindo a um lugar elevado, a um púlpito, que São Cipriano comparará à Tribuna onde os magistrados Romanos administravam a justiça, um leitor faz ouvir diversos textos ordenados segundo os significados da festa que se celebra. Lê páginas do Antigo Testamento, da Lei e dos Profetas; trechos das cartas que os grandes chefes da cristandade tinha escrito no decurso do seu apostolado ou que um ou outro ainda escrevia: epístolas de São Paulo, de São João, e São Pedro, de Santo Inácio e de São Clemente; ou ainda passagens dos Atos dos Apóstolos. As narrativas referentes aos Mártires, tal como chegaram até nós e que são tão comoventes, são também lidas desta maneira, Temos de pensar o que os fiéis imaginavam ao escutarem o relato tão dramático na sua simplicidade, dos sofrimentos que os seus irmãos acabavam de suportar e aos quais sabiam que podiam estar destinados alguns dos que se encontrava entre eles! Entre as leituras, recitavam-se ou cantavam-se salmos, e de todas as bocas saiam um grito de esperança e de fé, o velho grito de Israel: aleluia!
De todas as leituras, a última, a essencial, é a do Evangelho, a palavra de Deus. Não é confiada a um simples leitor, mas aos diáconos, e a passagem é escolhida pelo próprio Bispo; mais tarde, há de fixar-se esta ou aquela para determinados dias. “O senhor esteja convosco!” de pé, os fiéis escutam, numa espécie de posição de sentido que já os crentes do templo observavam em Jerusalém. Concluída a leitura do Evangelho, o Bispo comenta-o pessoalmente ou faz comentar por um pregador de sua escolha. É homilia, de que se encontrarão muitos espécimes nos padres da igreja, e que é a origem do nosso sermão.
A missa dos catecúmenos vai terminar. Voltado para multidão, com os braços abertos, o sacerdote repete, Como faz ainda hoje: “O Senhor esteja convosco! Oremos!”, e tem lugar a oração dos fiéis. De pé, também com os braços abertos, na posição tão bela dos orantes e das orantes cujas figuras temos pintadas nas Catacumbas ou esculpidas nos sarcófagos, em silêncio pedem durante alguns minutos o auxílio daquele que se vai fazer carne e sangue no pão e no vinho. Uma última coleta põe termo a esta meditação profunda: “Senhor, nós vos oferecemos hóstias e preces; acolhei-as pelas almas que vos imploram e por todos aqueles que temos em mente. Que essas almas passem da Morte para vida. Amém”. Agora o sacrifício propriamente dito pode começar.
A segunda parte da missa assume um caráter mais Augusto. Os catecúmenos, os penitentes e mesmo os Pagão simpatizantes que estiveram presentes até aqui tem de sair. Os diáconos não falam mais e os fiéis calam-se. É o Bispo, o próprio pontífice, quem passa a oficiar.
O primeiro gesto é a oferenda. No Tempo da Igreja Primitiva, compreendia duas partes que, nos nossos dias, parecem tão diferentes uma da outra que ninguém pensa em aproximá-las: o peditório e o Ofertório. De fato, são a mesma coisas. Para se unir ao sacrifício, cada fiel deve fazer uma oferta; dá-se o pão e o vinho que hão de ser consagrados (encontra-se alguma coisa desse antigo uso não somente no peditório, tão depreciado, mas ainda no costume de convidar os fiéis a colocarem eles mesmos no cibório a hóstia que será consagrada para a sua comunhão). Dá-se também esmolas para os pobres, para as viúvas e para os que são assistidos pela comunidade. Os diáconos separam as esmolas do resto das oferendas e colocam o pão e o vinho sobre o altar. Não há certeza de que, antes do século V, durante esse tempo se entidade qualquer salmo ou hino; mas, depois de tudo preparado, o celebrante recita uma oração coletiva em nome de toda assistência: “Oremos, meus irmãos, para que este sacrifício, meu e vosso, seja favorávelmente acolhido por Deus”. Os fiéis é respondem amém, é a seguir o sacerdote, pelas orações chamadas secretas (reservadas à plebs secreta, ao povo escolhido dos fiéis), pede ao Senhor que, em troca desses dons terrenos, conceda ao seu povo os dons do céu e da eternidade.
E agora o momento mais solene de toda a cerimônia; pela vontade do seu representante, Cristo vai estar presente nas espécies eucarísticas. É o prefácio e o cânon; é a consagração. O pontífice Convida os fiéis ao máximo fervor. “corações ao alto! — nós os temos no Senhor! Demos Graças a Deus! Sim, é digno e justo!”. E o celebrante continua: “sim, é verdadeiramente digno e justo que nós nos rendamos graças, ó Senhor, ó Santo, ó pai todo poderoso e eterno!”. Enumera os benefícios de Deus e lembra os grandes mistérios da Encarnação e da Redenção. Vem-lhe aos lábios as palavras do Evangelho, numa improvisação mística. E esta súplica, este apelo a Deus sobre a terra termina com o Grito 3 vezes repetido: Santo, Santo, Santo…. Com as mãos estendidas sobre o pão e o vinho, como podemos ver em uma pintura das catacumbas. O sacerdote repete as palavras pronunciadas por Cristo na Última Ceia. O espírito santo desce entre as almas dos fiéis e o sacrifício aceito por pelo Todo Poderoso.
A última parte da missa é a comunhão. O sacerdote parte o pão como fez Cristo; é a fração do pão, que pela sua importância, que muitas vezes dá o nome a toda a missa. Pronuncia-se então uma prece encantadora — a prece da unidade — que a didaqué nos transcreve: “Assim como este pão estava disperso nos seus elementos pelas Colinas, e agora se encontra reunido, permiti, senhor, que a nossa Igreja se reúna de todas as extremidades da terra…” É o instante em que todos os presentes vão tomar parte no repasto sagrado, todos aqueles que são santos e puros, porque os outros devem ser sair, expulsos por uma fórmula categórica na qual se citam, muito a propósito, as palavras do Evangelho: “Não lanceis aos cães as coisas santas”. Os comungantes — e a palavra aqui ganha o seu verdadeiro sentido — trocam entre si o beijo da Paz. Cada um se aproxima do pontífice, que já comungou, seguido dos sacerdotes e diáconos. O Bispo coloca na mão direita de cada comungante um Pedaço de Pão, dizendo: Corpus Christi. Depois o diácono oferece o cálice que contém o vinho: sanguis Christi cálix vitae, e o amém que o fiel murmura não é uma simples fórmula, mas um ato de fé nesse Cristo que está presente nele, a expressão de sua esperança e do seu amor.
Acaba agora missa. Reza-se uma oração coletiva para agradecer a Deus os seus benefícios. “Nós vos damos graças, pai santo, pelo vosso Santo Nome, que fizestes habitar em nossos corações, pelo conhecimento que nos destes, pela fé e imortalidade que nos revelastes por meio de Jesus…”. Respondo-lhe um grito de alegria, um imenso Hosana. Depois, ajoelhada, a assistência recebe a benção do bispo e escuta essa “oração sobre o povo” que o reúne uma última vez diante de Deus: “ide, a missa está dita!”. Já o dia desponta no Oriente. Os fiéis voltam para suas casas com a alma repleta de felicidade. A vida poderá trazer-lhes os seus sofrimentos e os seus perigos, mas eles têm cristo dentro de si.
Bibliografia: Daniel Rops, A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires
Fonte:https://apologistasdafecatolica.wordpress.com
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