quinta-feira, 24 de novembro de 2016

O mérito do sufrágio



Que os sufrágios que prestamos às pobres almas sofredoras do purgatório seja uma obra muito meri­tória e receberá certamente grande recompensa de Deus, nenhum teólogo o contesta. É uma obra de ca­ridade, e Nosso Senhor, que promete recompensa até a um copo de água dado em seu nome, como não há de ser propício a quem socorre as mais miseráveis e infelizes e desprotegidas criaturas: as pobres almas, que nada podem fazer por si para se livrarem dos tormentos a que estão submetidas pela Divina Justiça e dependem da nossa caridade! É certo que as almas libertadas das chamas da expiação, no céu, interce­dem por seus benfeitores, porque estão cheias da Di­vina Caridade e podem, como os Santos, nos valer neste mundo. Portanto, o mérito que adquirimos com a caridade do sufrágio será bem recompensado por­que a ingratidão nunca entrou no céu e as santas almas salvas por nós serão nossas advogadas e tudo farão por nós junto de Deus.

São Francisco de Sales vê no socorro que pres­tamos às almas, todas as obras de caridade. “Não é visitar os enfermos, diz o Santo Doutor, obter por nossas orações o alívio das pobres almas que sofrem no purgatório? Não é dar de beber aos que têm sede tão grande da visão de Deus, dar o orvalho da nossa oração às que estão entre as chamas? Não é dar de comer aos que têm fome, ajudá-las pelos meios que a fé nos oferece? Não é verdadeiramente libertar os prisioneiros? Não é vestir os nus e lhes dar uma ves­te de luz e de glória? Não é dar hospitalidade, dar entrada na Celeste Jerusalém e fazer as almas ami­gas de Deus e dos Santos, fazendo-as moradoras eter­nas da Eterna Sião?” [1].


Ora, se Nosso Senhor declara que no dia de Juízo há de dar o céu e uma grande recompensa às obras de caridade, não há de recompensar generosamente estas obras de caridade para com as benditas almas?


Tem muito mérito o sufrágio, o socorro às ben­ditas almas.


Diz também o piedoso oratoriano Pe. Faber[2], como que comentando São Francisco de Sales: “A principal devoção da Igreja consiste nas obras de mi­sericórdia, e vede como elas se encontram todas reu­nidas na devoção para com os mortos! Ela sacia a fome das almas dando-lhes Jesus, o Pão dos Anjos. Para estancar a sede inextinguível que as devora, apresenta-lhes o Precioso Sangue de Jesus. Dá, aos que estavam nus, a veste da glória. Visita os doen­tes, consola-os e dá-lhes remédios. Livra os cativos de cadeias mais terríveis que a morte e os põe em liberdade celeste e eterna. Acolhe os peregrinos e lhes dá a hospitalidade do céu. Sepulta os mortos no seio de Jesus para que aí gozem o eterno descanso”.


Ó, quando vier o dia de Juízo, felizes os que ti­verem socorrido as pobres almas! Quanto mérito nes­ta obra de caridade — o sufrágio dos mortos!


Podem as almas interceder por nós?


Já não contestamos que possam as almas nos ajudar quando no céu, e que Deus pelos méritos do sufrágio e da grande obra de caridade que praticamos socorrendo o purgatório nos conceda muitas graças e tudo podemos alcançar só com o mérito de tão boa obra. Todavia, vamos mais além e podemos afirmar: as almas podem nos ajudar mesmo no purgatório. Alguns teólogos o negam. Todavia a quase maioria deles e muitos dos mais autorizados, afirmam que as almas mesmo no purgatório, no estado de sofrimen­to, podem interceder por nós. A Igreja, apesar do silêncio sobre a questão, permite no entanto a ora­ção dos fiéis às almas e deixa esta devoção se desen­volver cada vez mais. Grandes Santos e até Douto­res da Igreja tiveram esta devoção e a aconselharam muitos autores seguros. Nas catacumbas se encon­tram inscrições como estas: que tua alma repouse em paz! Reza por tua irmã. É uma oração pelo defunto e uma prece ao defunto.


Diz o grande teólogo Suarez[3] (3) que em geral as almas do purgatório podem orar pela Igreja militan­te, e isto é conforme a idéia que devemos ter da Bon­dade de Deus. As almas do purgatório são santas e devem rezar como os Santos rezam. E, como os Santos, são atendidas na medida da gloria que deram a Deus quando estavam neste mundo. O sofrimento em que elas estão, longe de diminuir, aumenta, o va­lor e a eficácia das suas orações. Dizia um piedoso autor: “aqui na família da terra, os pedidos e as sú­plicas de um membro doente e que padece mais, não são atendidas com mais carinho e simpatia? Não são as almas os membros doloridos da Igreja?”[4].


Dizem alguns que as almas do purgatório não podem nos valer porque não podem conhecer nossas necessidades. Ainda que assim fosse, responde Sua­rez, as almas pedindo pela Igreja militante nos fazem participantes da sua oração em nosso favor. E não poderiam ter conhecimento de nossas necessidades pelo ministério dos Anjos? Diz Santo Tomás: “As almas dos mortos podem se interessar pelos vivos ainda que ignorem o seu estado, assim como os vivos podem se interessar pelas almas ainda que as igno­rem. Podem as almas do purgatório conhecer as ne­cessidades dos vivos pelas almas que partem deste mundo, ou pelos Anjos”[5].


Portanto, não podem as almas se interessarem pela nossa sorte neste mundo e rezarem por nós? É sentença comum dos teólogos, diz São Roberto Belarmino que as almas podem rezar pelos vivos[6].


Dizem também que o sofrimento das pobres almas é tão intenso e profundo, que elas não podem pensar em nós e nem nos valer.


O sofrimento das santas almas não as torna egoístas e não, lhes tira o sentido, o conhecimento da extrema necessidade em que nos encontramos muitas vezes e dos perigos a que estamos expostos nes­ta vida. As almas do purgatório estão numa ordem sobrenatural superior. Podem, pois, interceder por nós. É doutrina de muitos Santos Doutores e teólo­gos seguros.


As almas do purgatório nos socorrem


As almas do purgatório podem nos ajudar e o mérito da caridade de nossos sufrágios tudo pode nos alcançar da Divina Misericórdia em nosso favor. Pois estas benditas almas nos ajudam realmente e a experiência tem provado há tantos séculos quanto é eficaz invocar a proteção do purgatório.


Sim, as almas do purgatório por si não podem merecer na outra vida, mas podem fazer valer em nos­so favor, os méritos que adquiriram neste mundo. Por isto Santo Afonso, São Roberto Belarmino, dou­tores da Igreja, ensinaram que podemos invocar a proteção das almas do purgatório para obterem de Deus favores de que necessitamos. Dizia Santa Tere­sa: “Tudo quanto peço a Deus pela intercessão das almas do purgatório me é concedido”. Demos sufrá­gios às almas e Deus por esta caridade nos ajudará pelas orações e os méritos destas santas almas libertadas das chamas expiadoras.


Santa Catarina de Bolonha escrevia: “Quando quero obter com segurança uma graça, recorro às al­mas padecentes e a graça que suplico sempre me é concedida”.


Daí as expressões do Santo Cura d’Ars, que sem­pre repito: “Se soubéssemos quão grande é o poder das santas almas do purgatório e quantas graças po­demos alcançar por sua intercessão, não seriam elas tão esquecidas”.


Vamos, pois, tenhamos caridade, tenhamos pie­dade das pobres almas sofredoras. Deus não permi­tirá que sofra muito no purgatório quem neste mun­do socorreu os mortos. Portanto, é de nosso interes­se, sufragar os mortos. A experiência o prova mil vezes quanto a devoção às almas é útil e vantajosa aos vivos. “O que nós lhes dermos em sufrágios, diz Santo Ambrósio, se muda em graças para nós, e os havemos de achar depois da morte”.


Nas revelações de Santa Brígida[7] lê-se que a Santa viu um Anjo que descendo ao purgatório para consolar as almas dizia: Bendito seja aquele que ain­da na terra, enquanto vivo, ajuda as almas do pur­gatório com orações e boas obras!


E ao mesmo tempo, das profundezas do abismo das chamas do purgatório, se ouvia um coro de vozes suplicantes: Ó Jesus Cristo, justo Juiz, em nome de vossa misericórdia infinita, não olheis nossas faltas inumeráveis, mas aos méritos de vossa preciosa Paixão. Ponde, Senhor, no coração dos eclesiásticos um sentimento de verdadeira caridade, a fim de que por suas orações, suas mortificações e esmolas e as in­dulgências que nos aplicarem nos socorram em nes­sa triste situação.


Outras vozes respondiam: Graças, mil graças aos que nos aliviam em nossas desgraças. Ó Senhor, que o vosso poder infinito dê o cêntuplo aos nossos ben­feitores que os levam à morada da vossa eterna luz.


As santas almas repetem sempre esta súplica em favor dos seus benfeitores.


Diz a Sagrada Escritura: Benefac justo et inve­nies retributionem magnam. Fazei o bem ao justo e tereis grande recompensa. As almas do purgatório são santas almas de justos, cheios de méritos e de virtudes. Quanta santidade naquelas chamas expiadoras! Pois bem. Tudo o que fizemos por elas terá grande recompensa. É a palavra de Deus que no-lo garante!


Exemplo


A criada devota das almas do purgatório



Diversos autores, entre eles Berlioux, no seu “Mês das Almas”, Mons. Louvet, no seu “Le Pur­gatoire”, narram este fato, que este último autor diz ter se dado em Paris e no ano de 1817.


Uma piedosa e humilde criada tinha o costume de todos os meses tirar do seu pobre ordenado uma espórtula para uma missa pelas almas do purgatório. Fazia todo sacrifício, mas não deixava de mandar celebrar cada mês a Missa da sua devoção. Ia assis­tir ao Santo Sacrifício com muito fervor e pedia pela alma que mais necessidade tivesse de uma Missa pa­ra entrar no céu.


Deus a provou com uma doença que a fez sofrer muito e ainda perder o emprego. No dia em que saiu do hospital, só tinha consigo a importância necessá­ria para a espórtula de uma Missa. Pôs toda con­fiança em Deus e andou à procura de um emprego. Em vão. Não o achava em parte alguma. Passou pela igreja de Santo Eustáquio e entrou. Lembrou- se logo de que naquele mês não pode mandar cele­brar a Santa Missa pelas almas. Tirou da bolsa o dinheiro e pensou consigo: Se agora mando celebrar a Missa, que mc restará hoje para comer? Que será de mim? Que importa! Deus há de ter pena de mim. E demais, as pobres almas sofrem mais do que eu.


Foi à sacristia e perguntou se era possível celebrar-se ainda uma Missa. Felizmente, lá eslava um sacerdote sem intenção de Missa para aquele dia. Deu-lhe a espórtula, pediu a Missa pelas almas, assis­tiu-a com todo fervor e se retirou da igreja absolu­tamente sem vintém e sem saber para onde ir.


Estava assim pensando na sua pobre vida quan­do um moço alto, muito pálido, se aproximou dela e disse:


—A senhora anda à procura de um emprego?


— Sim, meu senhor, e necessito muito uma co­locação hoje mesmo...


— Pois então vá à casa de Madame X, rua tal, número tal, e creio que ela vos receberá, porque vai precisar de uma empregada hoje.


A pobre criada tão satisfeita ficou, que nem agradeceu ao moço. Quando voltou para trás, nem o viu mais. Foi à procura do endereço e ao chegar à casa indicada deu de encontro com uma mulher que descia a escada furiosa e a gritar contra al­guém.


— É aqui que mora Madame X? Pergunta-lhe.


— Sei lá! Desta casa não quero ver nem a som­bra. Bata na porta. Não quero saber desta mulher. Adeus!”.


A criada bateu timidamente a campainha e es­perou. Apareceu-lhe uma senhora de certa idade e aspecto muito bondoso.


— Minha senhora, diz a criada, eu acabo de sa­ber esta manhã que a senhora estava precisando de uma empregada e, como estou sem colocação, aqui venho me apresentar, e me disseram que a senhora é muito bondosa e me havia de acolher muito bem...


— Minha filha, diz a velha, isto é extraordiná­rio! Pois esta manhã eu não disse isto a ninguém e faz apenas meia hora que eu expulsei de minha casa esta empregada insolente que me perdeu o respeito.


Só eu sei que tenho necessidade de uma empregada. Quem te disse isto?


— Encontrei um moço na rua e ele me deu o nome da senhora, rua e número da casa, e aqui cheguei.


A velha não podia compreender quem pudesse ser o tal moço que havia indicado a casa. Neste ínterim, a empregada levanta os olhos e vê na parede um retrato.


— É aquele moço, minha senhora, ele mesmo...


A pobre velha empalideceu.


— É meu filho, e meu filho morto!


A criada contou-lhe toda a sua devoção às santas almas, a Missa que havia mandado celebrar. A ve­lha tomou a pobrezinha num longo abraço e banhada em lágrimas lhe disse: Minha filha, este moço é meu filho já morto. Deveria estar no purgatório. Faleceu há dois anos. Tua Santa Missa o aliviou e libertou. Vamos, daqui por diante, orar juntas e não serás mi­nha criada, não, serás minha filha”.


Tomou a pobre criada abandonada e adotou-a co­mo membro da família.


Eis como Nosso Senhor recompensa os corações generosos para com as santas almas.


[1] L’Esprit de Saint François de Salles — II p., cap.

[2] Faber — O Purgatório — 36.
[3] Lib. I — De orat. — Cap. II.
[4] Jugie — Le Purgatoire — Chap. IV — II part.
[5] Sum. Theol. I — quest. 89 — art. 8 ao 1.
[6] R. Belarm. — De Purgatorio — I, 2 e 15.
[7] Revel. — Liber IV, cap. VII.


Fonte: Ad Majorem Dei Gloriam

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