terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O ensinamento do Vaticano II

“O Concílio do Vaticano declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Essa liberdade consiste nisto: todos os homens devem estar subtraídos à coação por parte tanto dos indivíduos quanto dos grupos sociais e de qualquer poder humano que seja, de tal maneira que em matéria religiosa ninguém seja forçado a agir contra a sua consciência nem impedido de agir segundo a sua consciência, tanto em privado quanto em público, sozinho ou associado a outros, dentro de justos limites.”
O Pe. Lucien sublinha que unicamente o direito tal como é definido nesta passagem está presente como objeto direto do ensinamento conciliar e como fundado na Revelação, e que portanto só ele é decisivo. É verdade, com a condição de fazer a precisão de que um documento de tal importância deve ser lido como um todo coerente (coisa que ele é), e que, em particular, os desenvolvimentos e as consequências que são tiradas dessa primeira afirmação vão permitir-nos precisar o sentido dela, e determinar o significado da expressão “segundo a sua consciência” que está em causa aqui. Isso é tanto mais necessário quanto, no parágrafo 9.º da declaração, após essas consequências terem sido enunciadas, é reafirmado que essa doutrina está enraizada na Revelação.

Ora, o documento inteiro mostra que o Vaticano II realmente entende não fazer o direito à liberdade religiosa depender de uma disposição subjetiva, do fato de que a própria consciência seja seguida ou não seja seguida, do fato de que a consciência seja errônea ou não o seja, do fato de que o erro da consciência seja moralmente imputável ou não.

É o que afirma o final do mesmo segundo parágrafo da declaração conciliar:

“Logo, não é numa disposição subjetiva da pessoa, mas na sua própria natureza, que se funda o direito à liberdade religiosa. Por isso, o direito a essa imunidade persiste inclusive naqueles que não satisfazem à obrigação de procurar a verdade e de aderir a ela…”
Eis um comentário autorizado dessa precisão, pois emanado do Cardeal Béa, então presidente do Secretariado para a União dos Cristãos, que estava encarregado da redação da Dignitatis Humanæ (Rivista del clero italiano, maio de 1966, La Documentation Catholique de 3 de julho de 1966, col. 1186):

“Noutros termos, igualmente o direito daquele que erra de má-fé permanece completamente a salvo, com a condição de respeitar a ordem pública, condição que vale para o exercício de todo e qualquer direito, como se verá mais adiante. E o documento conciliar lhe dá esta razão peremptória: este direito ‘não se funda [...] numa disposição subjetiva da pessoa, mas na natureza dela’; logo, não pode ser perdido em razão desta ou daquela condição subjetiva, pois estas não mudam nem podem mudar a natureza do homem.”
Mais autorizada ainda é a interpretação que lhe dá João Paulo II, em discurso ao quinto colóquio internacional de estudos jurídicos:

“Este direito é um direito humano e, portanto, universal, pois não decorre da ação honesta das pessoas ou de sua consciência reta, mas das pessoas mesmas, isto é, de seu íntimo ser, o qual, nos seus componentes constitutivos, é essencialmente idêntico em todas as pessoas. Trata-se de um direito que existe em cada pessoa e que existe sempre, mesmo na hipótese de ele não ser exercido ou de ser violado pelos sujeitos mesmos nos quais ele é inerente.” (10 de março de 1989. La documentation catholique n.º 1974, página 511)
Portanto, cumpre manter que a expressão “segundo a sua consciência” que figura na afirmação do direito à liberdade religiosa tem o sentido que lhe é dado geralmente no mundo contemporâneo: “segundo a sua decisão íntima e pessoa, da qual não tem de prestar contas aos homens”, independentemente de qual seja a qualificação moral dessa decisão. É nesse sentido que se exprime o primeiro parágrafo da declaração:

“A dignidade da pessoa humana é, em nossos tempos, objeto de uma consciência cada vez mais viva; cada vez mais numerosos são aqueles que reivindicam para o homem a possibilidade de agir em virtude de suas próprias opções (proprio suo consilio) e com responsabilidade inteiramente livre; não sob pressão de coação, mas guiado pela consciência de seu dever.”
Essa equivalência entre “segundo a sua consciência” e “segundo a sua própria vontade” se reencontra ao longo do documento inteiro, que aliás é incompreensível caso não se a admita. Com efeito, Dignitatis Humanæ declara o direito à liberdade religiosa para os grupos e comunidades – que, enquanto tais, não têm consciência – assim como para os indivíduos. Isso é precisado no título e desenvolvido nos parágrafos 4.º e 5.º do documento conciliar.

Mas é, sobretudo, o sexto parágrafo que torna impossível de compreender “segundo a sua consciência” em sentido clássico e restritivo. Esse parágrafo enuncia, com efeito, a liberdade (civil) de apostatar:

“Segue-se que não é permitido ao poder público, por força, intimidação ou outros meios, impor aos cidadãos a profissão ou a rejeição da religião que for, nem impedir alguém de ingressar numa comunidade religiosa ou de a abandonar.”
Ora, segundo a teologia católica mais certa, é impossível para um católico abandonar “segundo a sua conciência” a Santa Igreja; assim ensina o Concílio Vaticano I:

“A condição daqueles que aderiram à verdade católica graças ao dom celeste da fé é completamente diferente da condição dos que, conduzidos por opiniões humanas, seguem uma falsa religião; aqueles que receberam a fé sob o Magistério da Igreja nunca podem ter motivo justo de mudar ou de pôr em dúvida esta fé.” (20 de abril de 1870. Denzinger n.º 1794)
Esse mesmo parágrafo 6.º da declaração opõe-se à prática secular da Igreja que exige que uma discriminação social seja feita por motivo puramente religioso, a saber: a isenção do serviço militar e dos tribunais civis para os clérigos:

“O poder civil deve velar que a igualdade jurídica dos cidadãos, a qual por sua vez pertence ao bem comum da sociedade, jamais seja lesada, de maneira aberta ou larvada, por motivos religiosos, e que, entre eles, nenhuma discriminação seja feita.”
O próprio Pe. Lucien mostra que faz uma leitura errônea da definição conciliar da liberdade religiosa, quando ele afirma:

“Corretamente entendida, a afirmação de Dignitatis Humanæ não põe em causa de forma essencial a prática da Igreja na Cristandade.”
Essa prática, que consistia em opor-se à liberdade religiosa dos acatólicos, é porém explicitamente recusada pelo parágrafo 6.º da declaração conciliar:

“Se, em razão de circunstâncias particulares nas quais se encontrem os povos, um reconhecimento civil especial é concedido na ordem jurídica de uma cidade a uma dada comunidade religiosa, é necessário que simultaneamente o direito à liberdade em matéria religiosa seja reconhecido e respeitado por todos os cidadãos e todas as comunidades religiosas.”
Podemos, portanto, concluir disso que a afirmação do Vaticano II não é “corretamente entendida” pelo Pe. Lucien. A expressão “segundo a sua consciência” não é uma restrição da liberdade religiosa – a qual é “para todos os cidadãos e todas as comunidades religiosas” (§ 6. 2). A integralidade do desenvolvimento da doutrina sobre a liberdade religiosa faz abstração da cláusula “segundo a sua consciência” e contradiz mesmo o sentido tradicional dessa expressão. Após o quê, o Vaticano II declara (§ 9):

“Esta doutrina da liberdade tem suas raízes na Revelação divina, o que, para os cristãos, é um título a mais para serem santamente fiéis a ela.”

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