domingo, 6 de janeiro de 2013

Sou sedevacantista?


Rev. Pe. Hervé Belmont

Há perguntas que acabamos por fazer a nós mesmos, não para nos adiantarmos a algum eventual pedido, mas porque são ocasião de exprimir com precisão aquilo que está mais ou menos difuso, mais ou menos implícito nas convicções que exprimimos aqui e ali.
No último boletim Nossa Senhora da Santa Esperança (n.º 243, de abril de 2010) perguntei-me, então, se sou sedevacantista. Eis a resposta (revista e ampliada) que dei ali. Previamente, é mister que o termo sedevacantista, cunhado há uns 30 ou 40 anos, signifique: que professa que a Sé Apostólica está atualmente vacante.
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Não recuso nem reivindico o epíteto de sedevacantista. Mas, como estamos no âmbito do testemunho da fé católica, essa resposta é muito pouco precisa, e passo a desenvolvê-la.
Não recuso ser alcunhado de sedevacantista, e isso por duas razões.
A razão primeira, principal, essencial, é um fato: não há atualmente ninguém na Cátedra de São Pedro que seja Papa, investido da autoridade pontifical, revestido do poder soberano que Nosso Senhor Jesus Cristo confiou a São Pedro e seus sucessores, possuidor da plenitude do triplo poder sobre a Igreja Católica.
Essa afirmação não emana de um juízo de opinião, ela é a conclusão imediata e inelutável de uma impossibilidade na fé: é impossível ser Papa e simultaneamente assumir o legado do Vaticano II, suas heresias explícitas ou implícitas, sua reforma litúrgica protestante, sua práxis destruidora da fé, dos sacramentos e da vida cristã. Essa constatação de impossibilidade está imediatamente fundada no ensinamento infalível que a Igreja deu sobre si mesma; conheço, então, essa impossibilidade pela fé e na luz da fé.
Aqui não é o lugar de dar as provas, de repetir os raciocínios, de manifestar os pontos-chave dessa impossibilidade: contento-me em responder à pergunta que se coloca. Sim, a Sé está vacante.
A essa razão, somo uma segunda, acidental, anedótica. A pecha de sedevacantista é infamante, soa geralmente como uma condenação. Como é atribuída àqueles que, malgrado seus defeitos, suas insuficiências e mesmo seus erros, se esforçam na situação atual por exercer a integridade da fé católica: então, eu a assumo e eu não a recuso. Não vou, que Deus me preserve disso, dessolidarizar-me com os combatentes no momento em que chovem os golpes; não vou proferir um “eu não conheço esse homem”: seria covardia. Eu exijo a minha porção de infâmia.
Mas minha resposta não pára aí. Pois, por três razões, eu não reivindico, tampouco, o qualificativo de sedevacantista.
Para começar, não gosto nada do neologismo sedevacantista, pois passa a impressão de ser uma doutrina particular, uma corrente entre outras, um partido teológico: ora, não é nada disso. É, aliás, o contrário que é verdadeiro: para afirmar que hoje temos Papa governando a Santa Igreja, é preciso inventar doutrinas anti-infalibilistas, desobedientistas, liberdade-religiosistas, litúrgico-protestantistas et tutti quanti; ao passo que o sedevacantismo se caracteriza pela vontade de aplicar a doutrina universal, perene, obrigatória da Igreja Católica à situação da Sé Apostólica. Mesmo que alguém pense que eles estão errados, não encontrará nos sedevacantistas enquanto tais nenhuma doutrina nova.
O sedevacantismo não é um princípio nem um sistema, é uma conclusão; é a constatação raciocinada de um fato que desejamos ver desaparecer o quanto antes. Eis por que o apelativo sedevacantista parece-me incongruente.
Um apólogo me fará ser compreendido. Olho pela janela e digo a um amigo mergulhado em seu jornal: está chovendo. Ele, que assiste à meteorologia na televisão – e com ela se contenta – me diz que é impossível: foi anunciado tempo bom para o dia todo. Olho de novo, verifico que não é o vizinho de cima a me pregar uma peça, que não é a irrigação do vizinho ao lado que está mal regulada, que os meus óculos estão ajustados, então afirmo novamente que está chovendo, pois cai água de uma nuvem que flutua no céu! E meu amigo vem me dizer: você não passa de um pluvialista! Pluvialista? Não, mas realista, certamente. Sedevacantista? Não, mas católico, certamente.
O único qualificativo que reivindico é o de católico, e católico romano. Com a graça de Deus, não tenho outra vontade, não tenho outra doutrina, não tenho outra pertença.
Uma segunda razão me faz hesitar enormemente em aceitar uma denominação desse gênero: a extrema variedade de posições e de opiniões que agrupa essa etiqueta mal talhada. Os sedevacantistas afirmam a atual e provisória ausência de autoridade pontifícia, mas isso não é suficiente para que escapem da consequência inelutável dessa ausência: a dispersão. “Ferirei o Pastor, e as ovelhas se dispersarão” (Mateus XXVI, 31).
Encontra-se, então, um pouco de tudo entre os sedevacantistas, e este é um título inteiramente insuficiente para identificar o que eu creio ser a atitude plenamente católica face à crise da Igreja. Pois há duas linhas de fratura que repartem os sedevacantistas, linhas que demarcam divergências gravíssimas sobre as quais eu quero “tomar partido” tanto quanto (senão ainda mais que) em prol da afirmação da ausência de autoridade:
— de um lado, recuso toda a sagração episcopal realizada sem mandato apostólico (e, portanto, toda a sagração episcopal feita antes da restauração da Autoridade) assim como tudo o que delas decorre (confirmações, ordenações etc.);
— de outro lado, recuso considerar como não católicos, como fora da Igreja, pessoas que professam a fé católica mas estão em desacordo com o que creio ser a verdade e a linha de conduta católicas: não tenho direito algum de recusar a elas os sacramentos unicamente por esse motivo, nem tampouco, no mais, de aceitar seus erros ou de me calar sobre eles.
Depois, e é a terceira razão de temperar meu sim, sinto simpatia, presto adesão ao que é chamado (com termo bem infeliz, a meu ver) de a tese de Cassicíaco. Adiro sobretudo ao seu princípio fundamental: a intenção teologal. Quando o Rev. Pe. Guérard des Lauriers elaborou essa tese, para explicar a situação da Igreja, ele implementou o princípio adequado: perante uma crise cuja amplidão e profundidade obrigam a negar a existência da autoridade pontifícia num sujeito que aparenta desfrutar dela (por causa outra que não a invalidade da eleição), é preciso que o olhar dirigido seja vital, que permaneça no interior mesmo do ato de fé teologal: ele terá um alcance real, ele fará discernir a verdade, ele permitirá concluir.
Dito de outro modo, cumpre afirmar tudo aquilo que a fé católica nos compele a afirmar, negar tudo aquilo que ela nos compele a negar… e deter-se aí. Recorrer a elementos que sejam de uma certeza de ordem inferior — fatos não certificados, raciocínios que não alcançam essa luz teologal, teorias teológicas (como as do Papa herege) que a Igreja não integrou à sua própria doutrina etc. — pode ajudar a compreender, pode confortar na certeza da legitimidade da conclusão, mas não permite concluir categoricamente.
Se essa intenção teologal exclui os juízos sobre pessoas e as conclusões arriscadas, ela permite alcançar uma certeza que se remete à fé católica. O que “perdemos” em extensão, ganhamos em compreensão. Com tudo isso, não tenciono provar aqui a tese de Cassicíaco, mas expor em que sentido eu sou sedevacantista.
Uma precisão se impõe, todavia. O Padre Guérard des Lauriers, tanto em razão de seu princípio como em razão de seu argumento (indução fundada no conjunto dos atos de Vaticano II-Paulo VI) fez uso da distinção papa materialiter-Papa formaliter, que está no cerne de sua tese. Essa distinção deve ser “posta em dia”: o materialiter atribuído a Paulo VI incluía uma realidade jurídica pelo fato de ele ter sido o sujeito canonicamente eleito. Mas, subsequentemente, a eleição desapareceu com o desaparecimento dos cardeais (os novos nomeados não sendo verdadeiramente tais, pois a nomeação é ato de jurisdição). O materialiter que se pode atribuir a Bento XVI é muitíssimo mais tênue: não resta nada da ordem jurídica, não resta senão um fato público (o de estar ali) que não é mais que uma disposição próxima a ser reconhecido pela Igreja universal em caso de ruptura com a nova religião do Vaticano II. Há ainda uma continuidade (que não é sem incidência na apostolicidade da Igreja), mas essa continuidade é uma continuidade em potência.

Um comentário:

  1. Ótimo trabalho, parabéns.
    Felipe marques, administra o Blog IEAM LEÃO XIII
    http://ieamleaoxiii.blogspot.com.br/

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